sexta-feira, 10 de abril de 2020

Dylan Dog - E Agora, O Apocalipse




Chegado ao quadringentésimo número, Dylan Dog precisa se reinventar no mercado editorial. E, para isso, numa trama onde a metalinguagem é elemento essencial, será conduzido pelo misterioso quadrinista Reed (alter ego de Angelo Stano) para - numa aventura que homenageia Apocalypse Now do início ao fim, inclusive sob o embalo de The End da banda The Doors - reencontrar seu criador Tiziano Sclavi (um Coronel Kurtz geek, ensandecido), a fim de matá-lo e, sob nova perspectiva, seguir adiante. Mas sempre ligado à sua origem, como vemos pelo personagem Gnaghi (ao final da história), retirado do romance Dellamorte Dellamore, onde surgiu o protótipo do que viria se tornar nosso icônico Investigador do Pesadelo.
A maneira acima é como posso resumir uma HQ que me surpreendeu. Não está entre as melhores de Dylan Dog, mas eu esperava pouco dela e acabei encontrando algo bom. É que a metalinguagem, atualmente, não consegue ser bem explorada. Parece ser fórmula exaurida nos quadrinhos. E a  quadringentésima edição de DyD saiu do lugar-comum, com referência ao mundo da cultura popular, ao cinema dito cult e onde, pela primeira vez, vi a criatura sacrificando seu criador para seguir em frente.

Tudo é feito de maneira discreta. Logo no início, encontramos Dylan num quarto de atmosfera árida, olhado pela janela e dizendo a si mesmo que está em "Londres, ainda em Londres". E, dali, embarca em selvas tropicais no afã de encontrar o homem misterioso encoberto em sombras. O detetive irá ao encontro do Horror e, para isso, transitará pelo mundo de Apocalypse Now de Francis Ford Coppola. Sclavi, seu criador, estará encoberto de sombras (mas dá para identificar seu rosto muito bem), obeso como Marlon Brando em final de carreira. O templo onde habita é similar ao do filme, só que ocupado por bugigangas de um Old Boy - o velho "nerd" que se mantém atrelado à cultura pop oitentista sem atualizar-se com o mundo contemporâneo. E, assim como no filme de Coppola, o prisioneiro matará seu captor.

Esta foi a forma que Roberto Recchioni (roteirista e novo editor do título) encontrou para deixar a mensagem: o DyD como o conhecemos, pelas mãos de Sclavi, acabou. É um novo mundo com novos anseios. Para o bem ou para o mal, o gibi mudará seu foco. E o tempo vem nos mostrando: foi para o mal. Basta você analisar as histórias mais recentes do "old boy": engajadas com políticas progressistas, lacradoras e modorrentas. Há muito horror ainda em Dylan Dog: o horror do globalismo, dos argumentos fofos sem nexo com a realidade, da ânsia por “mudar o mundo”. Recchioni é um italiano da nova safra, como o prefeito de Florença que, no início dos contágios pelo coronavírus, lançou a brilhante campanha “Abrace um chinês”. Recchioni é o cara crente num mundo sem fronteiras e soberanias nacionais, onde todos brindarão ouvindo Imagine de John Lennon. Os europeus estão fadados à extinção. E, obviamente, DyD agora reflete isso. Tiziano Sclavi está morto. Se não gostou, faça como este Neófito que ora escreve: não gaste sua grana à toa. Não perca tempo precioso de vida consumindo lixo. Ainda acerca de autocrítica e politicamente correto na revista, recomendo a leitura da postagem Terror e encanto em Dylan Dog.

Além de Apocalypse Now, ainda encontrei uma breve referência ao Solaris de Andrei Tarkovsky e às célebres palavras do Nexus-6 Roy Batty, em Blade Runner, antes de morrer. E, claro, remissões a diversos números antigos do próprio título, a exemplo de Morgana (uma das melhores HQs lidas por mim) e A História de Dylan Dog. E, para finalizar, com arte de Corrado Roi, um novo Dylan Dog surge para refundar seu novo lar/escritório, ao lado não de Groucho, mas Gnaghi, personagem retirado do romance Dellamorte Dellamore, onde surgiu o protótipo do que viria se tornar nosso agora icônico Investigador do Pesadelo. A mensagem é clara: Dylan Dog mudou mas, essencialmente, seria o mesmo. Mas eu digo: só que não. No toque de Midas às avessas, a Bonelli transformou ouro em bosta.

É isso. Fico por aqui. Se puderem, leiam este gibi, disponível no Youtube. Eu gosto de ler em tablet. Como roda ligeiro, basta você ajusta a velocidade para 0,5 ou 0,25. É o que faço. O título tem tudo a ver com nosso momento atual. E com o momento mais à frente pós-pandemia, onde transitaremos entre destroços humanos e econômicos.

Abraços apocalípticos e até a próxima.


8 comentários:

  1. Estou acompanhando esse blog através do canal do YouTube muito boa materia nunca vi o filme mais agora quero ver e faz a comparação muito bom. Para-bens

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    1. Opa, Michael. Seja sempre bem vindo e me sinto feliz saber que as postagens acrescentam algo.

      Abraços!

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  2. Fabiano, realmente, não encontro muito interesse em sites para resenhas de títulos bonellianos. Estranho. Na verdade, percebo que o volume e a qualidade de resenhas de quadrinhos em geral está caído. Há um certo desinteresse nisso. Grande sites, por exemplo, movidos por jabás e fortificados por grandes patrocínios, apenas publicam matérias rasas e insossas. E os pequenos blogues estão caindo aos poucos, ou sendo abandonados. Então o que existe em relação à Bonelli, penso, está se estendendo aos demais. Abraços!

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  3. "Mas parece que todo mundo se esqueceu disso"

    Pessoas cada vez mais chatas (e burras e vazias). Simples assim...

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  4. Esse blog está cada vez mais Cult
    Um dos poucos redutos da geração pré politicamente correto
    Tudo q consumo de novo já tem mais de 30 anos
    Meu destino é virar um velho nerd

    Abs!

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    1. Vou incluir vc em minhas preces, triste amigo Old Boy...

      Abraços!!

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  5. Lendo esta EXCELENTE matéria... fico até com vergonha de não ter nada do Dylan Dog na coleção, rs!

    Parabéns pela postagem: bastante oportuna mesmo pro atual momento...

    Abs!

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    1. Fala, Leo.

      Eu até tenho algumas HQs impressas mas estou sem comprar há algum tempo. Venho dando mais atenção ao meio digital.

      Acho o trabalho da Mythos bom, mas os preços de capa poderiam ser menos salgados.

      Abraços!!

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