quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O Quarto Reich, romance duvidoso de M.A. Costa



- Olha só, um thriller ruim!

James Williams, jornalista da outrora prestigiada revista Time, encontra-se numa profunda crise  de meia-idade diante de problemas conjugais e por ver, após tantos anos de dedicação ao "jornalismo" (seja lá isto nos dias de hoje), seu colega bem mais jovem de redação abocanhar o Pulitzer. Sua nova aposta profissional é, indo a Berlim, entrevistar o último grande líder nazista vivo, Rudolf Hess, o segundo no comando - durante muito tempo, na linha de sucessão - diante da ausência de Hitler. A trama se passa na segunda metade da década de '80.

Durante a entrevista com Hess, nonagenário na Prisão de Spandau, um segredo lhe é revelado. Na verdade, pistas para um segredo. É um passo para James embarcar num thriller tipicamente gringo, mas escrito por um brazuca. Na trama, nos deparamos com segredos ocultos do Reich, os quais ainda hoje nos despertam curiosidade e são objetos de trocentos livros e documentários: eugenia e clonagem, tecnologia avançada nazista, bases secretas na Antártica (a Nova Suábia reivindicada por Hitler, a mítica Base Neuschwabenland), sobrevida do Führer e, inclusive, viagens no tempo.

Sempre mantive uma queda por temas sérios relacionados à Segunda Grande Guerra e, quanto ao nazismo, acho curioso e divertido quando me deparo com histórias mirabolantes acerca desta ideologia-religião que, para mim, foi o resultado de um pout-pourri ocultista, temperado com socialismo não marxista e teorias eugenistas. Além disso, realmente, o avanço tecnológico do Estado germânico nos dá o que pensar. Tanto que o espólio mais significativo do pós-guerra foi a divisão de cérebros: quem recrutaria os melhores acadêmicos nazistas e lhes daria boa vida, noutro país, em troca de suas ideias? O primeiro evento que me vem à mente é a Operação Clipe de Papel norte-americana. Os chucrutes sempre se destacaram em artes, literatura, música, filosofia e ciências em geral.

O livro é mal escrito; mas, como todo thriller destinado a boas vendas, possui leitura relativamente dinâmica. Seguindo bobageiras da cultura popular, conseguiu misturar a origem oculta do nacional-socialismo na Sociedade de Thule e o ápice tecnológico do regime com as máquinas maravilhosas (wunderwaffen), a exemplo do Haunebu II, Gotha Go 229, as Feuerballs (foo fighters) e o mítico Die Glöcke (ou "O Sino), capaz de empreender viagens temporais ou, ao menos, a verificação de imagens passadas. Quanto à sobrevida de nazistas na Antártica, o assunto rendeu até filmes "B" (ou "Y") dos bons, como os deploráveis Nazistas no Centro da Terra (2012), Dead Snow (2009) e Frankenstein's Army (2013). O paradeiro da Câmara de Âmbar também não foi esquecido, no romance. Como afirmei: em menos de 250 páginas deu para fazer um grande shake. E, ainda, pega carona na discussão sobre o que realmente se passou pela cabeça de Rudolf Hess quando, sozinho, voou até a Escócia no afã de negociar a paz, em nome do Reich, com os ingleses. Nunca me desceu a ideia de que o cara apenas estava pinel, tampouco que conseguira se enforcar aos noventa e três anos e idade e semi-inválido.

Além do cinema, praticamente qualquer plataforma de mídia explorou a temática nazi hightech (como costumo defini-la). Quadrinhos estão inclusos. E até mesmo games. Quando guri, joguei (muito mal) Wolfenstein 3D - o qual utilizava design 2D apenas com simulação de algo mais elaborado. E, ali, numa realidade alternativa onde o Eixo havia ganho a guerra e instituído seu império global, a tecnologia dava direito até mesmo à sobrevida de Hitler com suportes mecânicos: um verdadeiro Cain de Robocop 2.

Gostei dos momentos em que o protagonista tece comparações entre as duas Berlins: "Mas, de resto, quatro décadas de ocupação - de cada lado - foram suficientes para diferenciá-las. Berlim ocidental é moderna, bem conservada, vibrante e linda. Berlim Oriental é mal-conservada, cinza, conservadora e opressora". E também foram válidas algumas introspecções filosóficas, como quando afirmam ao protagonista a facilidade com que a hegemonia nazi-fascista (e aqui incluo a comunista) poderia vingar, definitivamente, no futuro: "Williams, a civilização é um fino verniz e, se o arranharmos, a besta aprisionada escapará com facilidade. E essa besta somos nós e nós dominaremos o mundo!".

Também achei legal a breve referência a'O Apanhador no Campo de Centeio, pois adoro este romance, como explicitado aqui na postagem J.D. Salinger Por Daniel Clowes. Mas foi apenas uma referência relativamente erudita em uma obra, na sua essência, intelectualmente pobre.

Durante a leitura, encontrei erros de revisão. Exemplo: erro de digitação (ou algo do tipo), na página 94, segundo parágrafo, com "ativesse" (junto) ao invés de "a tivesse" (separado). E, além dessas pequenas bobagens quase insignificantes, me desagradei com as notas do autor ao final do romance, e não como rodapés. É chato ficar indo ao final e retornando no meio da leitura.

No geral, achei um dispensável. Como dito acima: leitura razoável; mas com elementos concatenados sem muitas pontas solta (até porque não possui complexidade literária alguma), exploração pouco inteligente da ficção histórica e com gancho para continuação. Achei meio inconsistente a forma como o protagonista consegue escapar das garras dos nazistas. Seu principal captor foi bastante crédulo para isso e os demais nem pareciam ser os grandes e sagazes oficiais que quase conquistaram o mundo e, no momento, conseguiam se manter ricos, poderosos e em silêncio para, mais à frente, realmente dominá-lo. Pareceu meio que um deus ex machina na trama toda para conseguir chegar ao desfecho.

Quanto ao acabamento, até capricharam um pouco: capa dura, papel amarelado similar ao pólen (soft ou bold), com boa gramatura, margens e espaçamento decentes. A visão agradece. Ao final, como apêndice, há um pequeno dossiê sobre os temas abordados na obra, inclusive com fotografias. E a compra pode ser realizada por Whatsapp, e-mail do autor e pela Amazon. In casu, adquiri por conta comercial de Whatsapp. 

O envio foi rápido, porém desleixado. Apenas largaram o volume num envelope simples, sem proteção com papelão ou plástico bolha. Todos sabem que os Correios não têm responsabilidade e que danificam encomendas desprotegidas. Meu volume chegou danificado na lombada. Sinto-me obrigado a destacar tudo isso. Preciso ser franco ao dizer que até gostei do romance  como forma de mera leitura descompromissada e passatempo e o recomendo para quem está com bastante tempo livre para ler bobagens do gênero, mas não indico a compra a não ser em sebos e grandes livrarias, para evitar problemas com entrega.

Percebi que, em dados momentos, o autor faz questão de transparecer sua ojeriza pelos nazistas. Em tempo onde tudo pode ser mal interpretado, parece assim agir para dizer ao leitor: "Olha só, escrevi esta parada mas sou do bem, tá ligado?". Acho isso desnecessário, em termos de literatura e entretenimento, enfim. Mas... cada um com seu ponto de vista, ainda mais em época onde o ex-Secretário da Cultura, Roberto Alvim, cita Joseph Goebbels e por isso leva um pé na bunda (merecidamente).

Numa escala de zero a dez, classificaria a obra com uma nota 3,5. Como ando com muitos livros consagrados para ler, além da fila imensa de quadrinhos, filmes e seriados para assistir, preciso passar longe de leituras assim. A vida é curta demais para gastar grana com escritos meio-boca. Quando possível, tentarei trocar meu exemplar em sebos.

Abraços conspiradores e até a próxima.




Ao menos possui figurinhas.