quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Moonshine e os fins de mundo neste mundo sem fim

Belíssimo exemplar de "caipirus americanus".
- Eu seguiria você até o inferno e voltaria.
- Quem disse qualquer coisa sobre voltar?

Há duas formas de viver. A primeira é na cidade, pequena ou grande. É uma fantasia onde você se veste bem e tenta se projetar socialmente, vai ao shopping, compra, come em restaurante de acordo com seu bolso e se diverte um pouco. Estuda, trabalha, namora, dorme e ao acordar repete tudo novamente, até bater as botas. E há a vida no campo, mais real, com os pés no chão, passando até dias sem ver muita gente, acaso resida num rincão. Aquele tipo de vida onde, numa hecatombe, você ainda terá chance de sobreviver plantando, criando e colhendo, mesmo que no sertão bravo, comendo fruto de mandacaru ou de xique-xique, pegando tamanduá mirim ou preá em armadilhas e atirando em avoantes ou no que surgir pela frente para matar a fome, enquanto bebe água de cacimbão ou de palma. Esta vida real conheço um pouco, de longe, sem muito envolvimento. Sempre me interessei pelos caminhos onde as estradas mais vicinais me levam. Pela minha profissão, adentro em cada fim de mundo que pouca gente sonha. É sempre um risco, claro. Vida bucólica é sem perigos apenas em fotografias. O mato não perdoa. E nele pode se esconder de tudo, desde a crueldade humana existente nas grandes cidades até os caprichos da mãe natureza selvagem. Certamente, adentro no mato com água, pelo menos duas facas e um revólver. Sem isso, não é bom se arriscar.

A mítica por trás dos pequenos recônditos onde nos levam as estradas vicinais norte americanas sempre me fascinou. Está no nosso imaginário devido a HQs e ao cinema consumidos, sobretudo, na infância. Não acho improvável que existam famílias incestuosas como a de Leatherface nos confins da América, ou personagens bizarras como em Aberrações no Coração da América. Afinal, perto de minha atinga cidade havia família de canibais que usava carne humana em pastel e coxinha. Talvez não seja tão absurdo que você se depare com falsos-mortos como Elvis Presley pedindo carona, igual a Jesse Custer dirigindo nas carroçais em Preacher. O mundo é vasto e obscuro. Com famílias incestuosas deformadas pelo cruzamento consanguíneo de décadas já topei num pequeno povoado difícil de chegar em um certo Estado nordestino. Quanto a canibais, mencionei há pouco a cidade de Garanhuns. Para topar com lendas e ETs, é só buscar.

Moonshine é uma HQ bacana que consegue nos entreter do início ao final sem tanta enrolação. A dupla Brian Azzarello e Eduardo Risso não decepciona quando o assunto é narrar algo ocorrido nos buracos mais distantes do planeta. Tirando a mancada quando acharam interessante fazer John Constantine dar ré no quibe, o saldo dos quadrinistas é positivo. E Moonshine contribui para isso. Na trama, um capanga vai a Spine Ridge, oeste de Virgínia, para convencer Hiram Holt - redneck raiz - a vender seu uísque para o chefão Joe Masseria. Estamos na vigência da lei seca. O capanga se chama Lou Pirlo (ou sinhô Pirlo) e tem um passado trágico envolvendo sua pequena irmã, falecida por sua culpa. Lou encontra caipiras desdentados e armados até os dentes (?), a bela matutinha Tempest, o xerife boa praça, uísque do bom, macumbeiros do terreiro local e um... lobisomem. Máfia, bebedeira, sangue pra todo lado e sobrenatural à luz da lua. É sobre isso que trata esta ótima HQ que está saindo pela Mythos. Li no meio on line gratuito e recomendo. Adentre no interior (geográfico e humano), nem que seja ao menos lendo HQs como essa.

Abraços e até a próxima, filhos da terra.

4 comentários:

  1. ótimo texto.
    "canibais e famílias incestuosas deformadas" - isso merecia uns posts.
    "caipirus americanus" da foto - deliciosa.

    abs!

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    Respostas
    1. Os canibais tiveram grande cobertura da mídia. Acho que isso ocorre mais por aí. Apenas este caso foi descoberto. Quanto ao povoado, hoje em dia evito citar nomes para evitar dor de cabeça no blogue. Mas o nome do local é Povoado dos Rochas, numa cidade do interior da Paraíba, onde morei uns cinco anos. O pessoal lá está se comendo há décadas. Nunca vi tanta gente com doença mental e má formação física por metro quadrado como ali. Loucura.

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  2. Topei com um lugar desses andando pelos rincões de Minas. Me lembrou "Amargo Pesadelo". Sinistro...

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