sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Aleister Crowley, capetas e Fábio Assunção


Faze o que queres há de ser o todo da Lei. (LL, I, 40, "in fine")

Não há laço que possa unir o dividido a não ser o amor (...). (LL, I, 41)

Sou o Mago e o Exorcista. Sou o eixo da roda, e o cubo no círculo. "Vinde a mim" é uma palavra tola, pois sou eu quem vou. (LL, II, 7)

Tony Bellotto é um escritor mediano e às vezes bom, mas bem relacionado. Tanto que consegue publicar quaisquer porqueiras e ainda mais vendê-las. E Fábio Assunção, conquanto seja uma pessoa de comportamento social no mínimo duvidoso, é um bom ator. Convenhamos, contudo, que as adaptações das loucas aventuras de Remo Bellini para o cinema foram até bacanas. Gostei dos dois filmes: Bellini e A Esfinge e Bellini e O Demônio. A Companhia das Letras poderia lançar um box com os quatro romances protagonizados pelo detetive. Mas falta visão de mercado às editoras nacionais.

No blogue anterior havia uma postagem sobre o segundo filme e a "minha explicação" para seu final, o qual pouca gente pareceu compreender. Iria republicá-la aqui. Achei melhor, então, comentar novamente o final do filme à luz do livro que lhe dá mote: Liber AL vel Legi ou O Livro da Lei, do encapetado Aleister Crowley.

A primeira vez que tive contato com a opus magnum de Mister Crowley foi no meio eletrônico. Agora, me chega às mãos uma obra mais caprichada, editada com esmero, bilíngue, com ótimos textos introdutórios e reprodução do manuscrito. Você pode até não se interessar por magia ou simplesmente achar "a Besta" um grande charlatão. Talvez lhe cause repulsa o pensamento mágico, seja antigo ou "pop". Tanto faz o que você acha. No entanto, compreenda que esses caras influenciaram e estão influenciando até hoje boa parte da produção cultural que nos é ofertada e até mesmo relevantes decisões políticas globais. Como bem destacou a própria editora Chave (quase um selo da Veneta) na quarta capa do volume: "Crowley está na capa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, mas também é citado por artistas das mais diversas áreas, dos mais diversos gêneros. De Led Zeppelin, David Bowie, Jay Z e Raul Seixas a Fernando Pessoa, William S. Burroughs, Alan Moore e Neil Gaiman. 'A influência de Crowley na cultura moderna é tão disseminada quanto a de Freud ou Jung', diz o jornal inglês The Guardian.". E mais: "Sua influência se espalha por todo o ocultismo ocidental, do neopaganismo wicca à popularização de práticas espirituais como a yoga. Mas, além disso, espalha-se com muita força por toda a cultura popular ocidental".

O prefácio assinado por "M.B." traça uma ótima coleção de influências do mago na cultura contemporânea: cinema, música, literatura, quadrinhos etc.. Quem conheceu meu blogue há algum tempo (o anterior, que durou quase oito anos), sabe que sou entusiasmado leitor de Alan Moore e Neil Gaiman. E sempre percebi, por exemplo, que, sem Aleister Crowley, obras como Sandman ou Do Inferno talvez não existissem. Ou teriam vindo ao mundo doutra forma. Um dos maiores discos da história, para mim, é Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band dos Beatles. Confesso que eu era distante desta banda e até hoje sua fase "iê-iê-iê" não me desce; contudo, uma grande amiga da faculdade (olá, Yara com "Y"!) me apresentou os trabalhos mais maduros e psicodélicos dessa turma e me apaixonei. Na capa deste disco está a Besta, entre tantas figuras relevantes para a Nova Era vindoura. Cogita-se que tanto Lennon quanto McCartney eram interessados nas obras teóricas do magista. Infelizmente, ficaram apenas na parte psicodélica da coisa toda. Caso contrário, não teriam dedicado a vida a ser grandes expoentes da esquerda radical chic, aquela mesma que passa a vida militando dentro de coberturas de luxo, comendo caviar e arrotando comunismo. Como todo mago raiz, Crowley conhecia bem os perigos do marxismo para as liberdades religiosa e sexual tão almejadas entre ocultistas e charlatões pervertidos de todos os escalões sociais europeus.

Todo sistema político controlador era rebatido pelas ordens mágicas. O politicamente correto de hoje, que nos torna babacas desejosos do paternalismo estatal, já era apontado por Crowley, no início do século XX, como catastrófico, ao ponto dele afirmar que, no reinado do Novo Éon, "somos crianças", com "afloramentos de ditaduras", "prevalência de cultos infantis como o Fascismo, o Comunismo, o Pacisfismo, dos Modismo de Saúde" entre outros sintomas, mais fortes ainda hoje. Sob a égide de Hórus, nossos governantes e grandes fortunas nos ofereceriam "instrumentos para confortar crianças intratáveis, sem semente de propósito neles".

Ainda quanto ao prefácio mencionado acima, fico surpreso como adeptos de sistemas mágicos não amadurecem para deixar de destilar ódio sobre cristãos e sobre a Tradição. O "M.B.", em determinados momentos, chega a chamar cristãos de bobinhos e até de fundamentalistas. Hoje em dia é assim: se você é a favor da Igreja e contra a interferência estatal na sua vida privada e familiar, já é um "fundamentalista". Exceto se for muçulmano, obviamente, pois o Califado Universal tem um cantinho especial no coração dos globalistas. Com isso, "M.B." rejeita milênios de doutrina cristã e de grandes pensadores como Agostinho, Aquino e Lutero, isso para não elencar aqui uma lista infindável de teólogos cristãos contemporâneos. E, além de tudo, nega ainda que, naturalmente, cristãos devem se voltar contra o que ofende sua crença, ora. Não era o próprio Sr. 666 quem comprava brigas homéricas, em periódicos, clubinhos e tribunais para defender seus sistemas mágicos? O que falta ao bruxo Nutella é, apenas, humildade; e alguns milhões de neurônios.

Ainda sobre o livro, para quem é leigo no assunto, trata-se de obra onde Aleister Crowley teria sido seu escriba, tomando nota do que lhe foi ditado, em três dias consecutivos, pela entidade Aiwass. Esta, por sua vez, apenhas lhe repassou mensagens de três outras entidades mais poderosas, quais sejam: Nuit, a grande mãe, a perfeita circunferência; Hadit, complemento de Nuit, o cubo do círculo (v. citação acima); e Hoor-Paar-Kraat, ou Harpócrates, uma das forma de Hórus, o filho. O mago recebeu estas mensagens e as separou em três livros - os quais, juntos, compõem o Liber AL - por intervenção espiritual de sua primeira esposa, Rose Edith Kelly, a primeira Mulher Escarlate em sua companhia. Falando em Mulher Escarlate, Babalon, a entidade que permeia todo o Livro da Lei mesmo sem ser citada diretamente e é, sem dúvidas, um dos aspectos mais instigante da Thelema. Trata-se da Mãe das Abominações citada no Apocalipse João, na Bíblia (Apo 17:3-6):
E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor de escarlate, que estava cheia de nomes de blasfêmia, e tinha sete cabeças e dez chifres. E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlate, e adornada com ouro, e pedras preciosas e pérolas; e tinha na sua mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua prostituição; E na sua testa estava escrito o nome: "Mistério, a grande babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra". E vi que a mulher estava embriagada do sangue dos santos, e do sangue das testemunhas de Jesus. E, vendo-a eu, maravilhei-me com grande admiração.
Na cultura pop, Babalon, por exemplo, é o leitmotiv de toda a mitologia de Twin Peaks. Para mim, ela é Jowday, ou apenas Judy.

Voltando à película. É curiosa a utilização deste livro para o filme. Veja bem, não se trata de um grimório ou edição cerimonial, de altar. Penso que Tony Bellotto ou Marcelo Galvão (roteirista e diretor) poderiam ter escolhido outra obra que, mesmo assim, teria o mesmo apelo dramático e seria, aí sim, mais condizente com o poder de imposição da vontade postulado pela "Mágicka" ou pelo Misticismo. Até mesmo algum volume de conjurações ou porcaria similar serviria. Poderiam ao menos ter dado alguma configuração especial à edição específica da obra mostrada no filme, algo que a tornasse especial para ser tão perseguida e causar tantos problemas.

A maioria das pessoas que conheço meio que se perdem ao final do filme, sem compreendê-lo. A chave para a compreensão está no início, primeira cena, onde o detetive se apresenta: "Este sou eu, Remo Bellini, detetive particular; ou, pelo menos, eu era.". E, mais à frente, o demonólogo interpretado por Jack Militello afirma que haverá quatro sacrifícios para a vinda da nova Besta. Entendemos, em algumas cenas, que as pessoas que tiveram contato com o livro e tentaram compreendê-lo foram assoladas por cópias malévolas de si mesmas, sendo sacrificadas de forma cruel. Para mim, tratam-se de doppelgängers. E, na penúltima cena, há o confronto entre Bellini e Bellini. O desenlace? Ele não morre. E, na última cena, a repórter/executiva que o havia contratado há muito tempo para recuperar o livro o busca em seu escritório. Ele já está recomposto, aparentemente livre do abuso de álcool e remédios controlados e com olhos mais do que vivos. O que houve, então? Simples: Bellini teve contato com "aquele" volume específico de O Livro da Lei há tempos, no Peru. Interessou-se pelo assunto, dedicou-se à obra, iniciou uma peregrinação novamente em busca da mesma obra apenas para ter contato com suas realizações e o poder dela emanado e, tendo esquecido de todo o passado, e, assim, confrontando seu doppelgänger, assumiu o novo aspecto da Besta (ou foi consumido por ela). É isso.

Fico por aqui. A seguir, imagens do filme e de minha belíssima edição.







2 comentários:

  1. Obrigada por salvar-me do desentendimento do filme. E grata tb pela disposição em fazer um texto caprichado sobre o tema em geral (ocultismo do Crowley).

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