terça-feira, 31 de julho de 2018

Pog de Alan Moore e Pogo de Walt Kelly [ em A Saga do Monstro do Pântano ]


Mas havia uma raça solitribal de misantropomorfos que se recusavam 
a convirescer com outropovo. (...) Eram os animais mais solitários de todos.

Pogo foi uma famosa tira de jornal criada por Walt Kelly. Os personagens eram bichinhos selvagens fofinhos. Acho que o personagem principal – homônimo ao nome da tira – era uma toupeira ou um porco-espinho; seus amigos: coruja, jacaré, tartaruga etc.. Alan Moore homenageou essa criação em O Monstro do Pântano, na história intitulada Pog, uma das HQs curtas mais bonitas que já li acerca do instinto de sobrevivência, da intolerância e da primitiva natureza humana. Esta história estará no sexto capítulo do segundo volume de O Monstro do Pântano (Saga of the Swamp Thing #32), pela Panini (creio, pois é famoso o período onde a Abril aboliu este capítulo, quando publicou a fase Moore no Brasil; aliás, para quem é babão da Abril, relembro que ela editava gibis como bem entendia, cortando onde achava mais prudente e dane-se o leitor).

Leitores jovens no universo mais maduro da DC (atualmente sob o selo Vertigo) conhecerão um dos conjuntos mais brilhantes das histórias em quadrinhos, especialmente O Gótico Americano da “Coisa” do Pântano. Tenho três encadernados com esse material na coleção. O primeiro é o belo álbum Pixel. Mesmo com a falha no espelhamento das ilustrações do capítulo Pontas Soltas, é um gibi digno de permanecer na coleção, ainda mais considerando que a Panini optará por TP em pisa brite. Meus outros dois volumes são da extinta Brainstore (recordada ainda hoje como “BrainEstoque”), que vendia encadernados a preço de ouro num mercado ainda fodido, onde apenas fãs de gibis compravam gibis - por amor à nona arte, e não em razão de modinha trazida pelo cinema, adquirindo encadernados para enfeitar estantes (embora, claro, isso tenha um lado positivo no mercado em geral). As edições da Brainstore, mesmo caras, eram em “tons de cinza” (uma adaptação das cores para o P&B). Ao menos, o cartão da capa era bom e o miolo em papel tipo offset. Como faz anos que tenho meus álbuns Brainstore, também ficarei com eles. Só comprarei, da Panini, o que não tenho. Para quem não possui nada da fase Moore com O Monstro do Pântano, recomendo: comprem tudo. É o que há de melhor em história em quadrinhos. Além disso, foi o pontapé para a criação do selo Vertigo e de uma pegada mais “madura” para o próprio gênero de heróis.


Página de ST #32 no encadernado Brainstore: Pog inicia o reconhecimento da "nova Senhora".

Em Pog, os personagens de Walt Kelly são o mote para uma raça alienígena de bichinhos fofinhos (sempre sob uniformes de astronautas) que pousa na Terra em busca de uma “nova Senhora”. Com o tempo, descobrimos que sua “Senhora” é um Planeta devastado em razão do avanço de uma espécie sobre as demais. Essa espécie é similar a dos nossos primatas! “Pog”, o "chefenave", encontra o Monstro do Pântano e tenta lhe narrar o que houve na “antiga Senhora”, mesmo sem ser compreendido em razão de seu idioma. Mas o monstrengo de lodo sente o que ele quer lhe dizer e lhe mostra que, ali, não encontrarão um ambiente diferente. A “Senhora” dos humanos já está doente há bastante tempo. Isso parece simplório em se dizer hoje em dia. Entretanto, quando Moore escreveu essas histórias, temas como Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Consumismo ainda eram pouco abordados.

Penso que o mais legal em Pog é a língua em si como elemento narrativo. Os personagens se comunicam através de neologismos: especialmente palavras híbridas. É como ler o Jabberwocky de Lewis Carroll. O trabalho dos tradutores (PM Agria e Danilo Valeta) deve ter sido grande. Abaixo, transcrevo trechos de quando Pog relata o que houve na “Senhora” de onde fugiram.
- Nossa antiga Senhora possuía duas iluminaluas e uma orbitarrota jaterrante, ela era glorumbrante. Você não consegue telemaginá-la aquimente. 
- Toda a crianturidade se confraternizou agradavelmente e tiponenhum lançou rivalidade presuntiva contra tipooutro. Não mostramos nenhuma desigligência de nossa Senhora, e ela também não nos mostrou. 
- Mas havia uma raça solitribal de misantropomorfos que se recusavam a convirescer com outropovo. Eles construpertaram sua própria incivilização e exclupertaram tipoqualquer de se juntar a eles. 
- Eram os animais mais solitários de todos. Eles tiraram nossa Senhora de nós... e desde esse longo desdequando temos estando procuruscando uma nova Senhora... com reprelagos transaquáticos fundos o suficiente para imefogar nossos estrucorpos. Um lugar onde possamos desquecer as experminações e as medicrueldades. Onde possamos deslembrar o dordemônio do assassinadouro e as coisas incontazíveis que se seguiram.
Lembrando que foi no Gótico Americano onde surgiu o anti-herói John Constantine (inspirado fisicamente em Sting da banda The Police), um dos personagens mais instigantes das HQs “maduras”, que já teve excelentes fases nas mãos de roteiristas como o "social democrata" Jaime Delano (onde o ambiente político da dama de ferro Margaret Thatcher era visto como reflexo do odor do Inferno subindo a uma maluca Londres de yuppiespunks, góticos, mendigos e donas de casas) e Garth Ennis (o porra-louca que fez com Jesse Custer de Preacher tudo o que queria ter feito com John). Hoje, Constantine anda uma babaquice sem tamanho, após o reboot da DC e sua incorporação ao universo “infantil”. Mais um passo neste abismo "decenauta" e ele poderá ingressar até na Turma da Mônica, auxiliando o Cebolinha em seus planos infalíveis.

Em Pog, um terrível assassinato ocorre. Após a baixa na tripulação da espaçonave (que é, ao mesmo tempo, uma gigante tartaruga também tripulante) e um triste funeral embalado pelo “extincanto”, os alienígenas bonitinhos saem em busca de outra “Senhora”, pelo vasto universo. Uma história para ler e reler, várias vezes. Coisas de Alan Moore, o sujeito com o maior arcabouço erudito que já se dedicou a escrever histórias em quadrinhos. Pois é. Vale a pena "pagar pau" para o ermitão de Northampton.

Volume em "tons de cinza" de meu acervo. Finada Brainstore.


4 comentários:

  1. Continuo a espera de uma edição definitiva do MP pela Panini.

    "Pog" - era uma estória bem rara aqui no Brasil:

    http://www.guiadosquadrinhos.com/gibis-com-historia/pog/56021

    abs!

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    1. Lançaram aqueles encadernados meio bocas e só... papel jornal e capa cartonada. E preços elevados. Enfim... Abçs!

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  2. Reli a Saga toda recentemente. Meu Paraíso Azul me marcou muito e continua fantástica! Abraço.

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    1. Preciso fazer isso qualquer dia: reler não apenas esta saga, mas tudo o que possuo de Moore.

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