quarta-feira, 11 de julho de 2018

Neuromancer de William Gibson


"O céu acima do porto era da cor do televisor sintonizado em um canal morto."

Há livros difíceis de digerir e que você gostaria de gostar mais; porém, não dá. Um deles, em minha vida de leitor, é Neuromancer de William Gibson. Na trama sci-fi cyberpunk, Case é um ex cowboy (hacker) impossibilitado de se conectar à Matrix devido ao castigo que lhe foi imposto por seus antigos empregadores, após roubá-los. Na fossa, passando os dias à toa, junto à "carne" (um bom cowboy aprende a esnobar quem sobrevive apenas entre a matéria orgânica), recebe a proposta de voltar à ativa quando o misterioso Armitage se oferece para custear o tratamento que poderia restaurar suas funções neurais para que se conecte, novamente, ao ciberespaço. Daí, conhecemos a personagem mais instigante da trama - Molly - e a inteligência artificial Wintermute.

Não há como, durante a leitura, não recordarmos dos universos de Blade Runner de Ridley Scott e da Matrix dos irmãos Wachowski. Do primeiro temos a existência do futuro distópico e palpável onde a luta pela sobrevivência se dá entre deslumbres tecnológicos, ruas sujas, implantes biocibernéticos, vida artificial e muito neón. Do segundo, a confusão entre vida real e virtual e a própria ideia de uma "matrix". O problema está justamente nesta confusão entre real e virtual: o autor nos arremessou numa linguagem onde em diversos momentos, durante a leitura, nos vemos perdidos e não conseguimos mais nos situar, dentro da trama, para seguir adiante. Não são raros os momentos onde não sabemos onde estamos, onde Case está, onde Molly se encontra.

A obra tem relevância indiscutível. Foi escrita no início da década de 80 numa máquina de escrever com vocábulos e ideias de aspectos como uma matrix, extensão da vida orgânica por meios químicos e tecnológicos, a eventual supremacia de uma inteligência artificial e até mesmo uma Polícia de Turing para contê-la. Os contornos cyberpunks foram dados pela própria época em que foi criada. Há limitações estéticas sobre o admirável mundo mundo que o autor só poderia conceber com uma bola de cristal, certamente. Daí, penso, poderia ter sido mais vago em algumas descrições. O romance, com o tempo, não se tornou datado. Tornou-se anacrônico e, pelo rebuscamento dessa linguagem anacrônica, cansativo.

Penso que obras como 1984 e Admirável Mundo Novo conseguem ser mais palatáveis por sua suavidade descritiva. Mas William Gibson escreve mal? Claro que não. Quem escreve mal sou eu, que não ganho um centavo com que publico. Aceitar Neuromancer como um romance significativo é o de menos; penso que o problema é querer negar esse aparente anacronismo.

A primeira leitura que fiz de Neuromancer foi na edição comemorativa de 25 anos da Aleph, em 2008 (embora o aniversário tenha se dado, realmente, em 2009). Depois perdi o livro. Ou emprestei e não recordo. Talvez tenha sido roubado. Não sei, realmente. Quando vi a edição comemorativa de 30 anos exposta numa livraria, comprei na hora. Além de belíssima, seria a oportunidade de relê-la. Confesso que a segunda leitura foi mais proveitosa. Talvez numa terceira, me livre de todos os conceitos negativos e ache-a uma obra impecável em todos os aspectos. Contudo, não disponho de tempo livre para essa terceira leitura. O acabamento dessa edição é digno de todo e qualquer elogio. A Aleph capricha quando quer. Brochura com costura da lombada aparente e envernizada, páginas coloridas, projeto gráfico esmerado e com tudo a ver quanto ao universo da trama, papel de boa gramatura e fonte generosa, com espaçamento razoável.

Só lembrando: Neuromancer é o primeiro livro do que veio a ser a Trilogia do Sprawl: Count Zero e Mona Lisa Overdrive. A título de curiosidade: o "sprawl" seria a gíria para o espaço geográfico onde mais se situa a trama no novo mundo de Gibson. E "Neuromancer" é a denominação dada a uma personalidade artificial cujo papel se torna relevante apenas próximo ao final da história.

A edição especial das imagens abaixo possui, como extras, os contos Johnny Mnemônico (adaptado ao cinema com Keanu Reeves como protagonista, filme que adoro), Queimando Cromo e Hotel New Rose. Também acompanha uma entrevista com o autor, apenas para encher linguiça.

A tradução desta 5ª edição brasileira é de Fábio Fernandes e possui 320 páginas, no acabamento brochura com caixa.







4 comentários:

  1. como não achei nenhum post sobre matrix, vou deixar o link aqui:

    http://bancadoporcoaranha.blogspot.com/2017/03/matrix-quadrinhos-volume-1-2009-download.html

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