sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Lost Girls de Alan Moore



É claro que as Terras do Nunca são bastante variadas. (J.M. Barrie)
Eu sou Oz, o grande e terrível. Quem é você e por que me procura? (L. Frank Baum)
Somos apenas crianças crescidas, querida, que ficam aborrecidas ao perceber a hora de dormir. (Lewis Carroll)

Foi mais de uma década de trabalho para que Lost Girls, finalmente, se concluísse. Essa obra prima da nona arte é notadamente conhecida como a pornografia elegante de Alan Moore. Magistralmente escrita pelo velho ermitão britânico, foi totalmente pintada por Melinda Gebbie, que viria a ser sua segunda esposa. Na trama, três mulheres encontram-se, em férias, num hotel austríaco. Essas três personagens possuem ressonância na literatura infantil ocidental; são elas: Alice (de Alice no País das Maravilhas, agora idosa), Dorothy Gale de O Mágico de Oz (uma jovem ianque e caipira visitando a Europa) e Wendy (de Peter Pan, mulher de meia idade e casada com um senhor bem mais velho).

A obra, recheada de cenas de sexo explícito - pertinentes, diga-se, onde nada é meramente ao acaso e desproporcional - inicia-se na iminência da eclosão da Primeira Grande Guerra. A trama é concluída com o avanço das tropas germânicas nas fronteiras austríacas, de forma avassaladora, destruindo todo o "sonho" de luxúria e liberdade que, no Hotel Himmelgarten, foi construído e vivenciado.

Muita gente tem dezenas de críticas negativas a essa HQ apenas por tê-la folheado. Dizem que há muita sacanagem ou, então, não gostam da arte. Só posso dizer: deem uma chance. Leiam. É um ótimo gibi. Tenho os três volumes há alguns anos na coleção. Destaco, na arte, o leiaute diferenciado para cada personagem da trama, quando evocam suas antigas experiências de descoberta sexual: Alice, Dorothy e Wendy. Esta, encontrando "garotos perdidos" nas ruas de Londres, chefiados por um tal de Peter que, infantil, recusa-se a crescer. E transar com Peter, para Wendy, é como voar! Dorothy, criança, descobre o prazer na fazenda do tio - o Grande Senhor do lugar - junto aos peões: um covarde, outro sem coração (como se um homem de lata, mecânico, fosse) e o terceiro estranhamente semelhante a um leão, com grande juba. A descoberta sexual para Dorothy, no meio de uma siririca, foi como um tornado! Já Alice viu-se violentada covardemente por um amigo (baixinho, de cabelos brancos e nervoso como um coelho) de seu pai. Para fugir do momento, ela mergulhou num mundo fantástico que pudera criar no espelho da sala onde estava.

O trabalho caprichado da Devir seguiu o modelo estrangeiro: capa dura com sobrecapa e papel de elevada gramatura. A única diferença foi a ausência do box em papelão rígido. Não sei se é verdade, mas algumas pessoas afirmam que uma tiragem especial ganhou um baú de madeira para guardar os livros. Acredito que a Devir não apostou em caixas justamente para não encarecer mais o produto, o que parece ser uma decisão acertada. No ano em que comprei, cada livro saiu em torno de R$ 60,00, uma pechincha diante da qualidade do acabamento. Mesmo assim, muita gente reclamou do preço, pois queria - acho - que a editora fizesse filantropia, enviando à casa do leitor, de graça, os quadrinhos.

Há vários momentos inesquecíveis na obra. Dentre eles, destaco a presença das heroínas na estreia da peça  A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky (compositor que adoro!), no décimo capítulo do primeiro número. A narração paralela de uma orgia ao assassinato de Arquiduque Francisco Fernando da Áustria também merece atenção. É partir daqui que tudo muda. O mundo mudou e, mesmo em êxtase, todas as "meninas crescidas" o sentiram, tanto que, ao retornarem ao hotel, o diário de Alice nos diz: "Nós mal falamos, ao voltar para o bote. O sol já estava quase se pondo, deixando uma luz elegíaca e melancólica em direção ao oeste. Nenhuma pássaro voava no céu. Não havia mais pássaros para voar".

Eu poderia ocupar milhares de linhas comentando essa maravilhosa obra. Mas o objetivo desta postagem foi apenas recomendar, para os duvidosos, a leitura, bem como compartilhar algumas imagens. Além disso, cheguei à conclusão, há certo tempo, que quase ninguém lê grandes postagens (venho evitando-as há um tempo).

Lost Girls, obra em três volumes: Meninas Crescidas, As Terras do Nunca e O Grande e Terrível. Ano de lançamento: 2007. Editora: Top Shelf Productions. Editora no Brasil: Devir. Formato 21 x 28 cm, com 116 páginas cada volume.





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