domingo, 1 de julho de 2018

A História Sem Fim de Michael Ende [ Romance ]


- Por que está tão escuro, Filha da Lua?

- O princípio é sempre escuro, Bastian.

Você sentava à frente d0 televisor com um pacote de biscoito para assistir ao filme A História Sem Fim, na Sessão da Tarde? Eu, sim. Foi marcante, em minha infância. Se não leu o romance que o inspirou, escrito pelo autor germânico Michael Ende em 1979, cujo título original é Die unendliche Geschichte, recomendo. No Brasil, a obra é publicada pela Martins Fontes. Em janeiro de 2011, essa mesma editora pôs no mercado a primeira edição capa dura nacional, na generosa fonte garamond 9,5 pt e em papel de elevada gramatura (pólen bold 70 g/m²), com tradução de Maria do Carmo Cary e revisão e texto final de João Azenha Jr (é, aquele premiado tradutor de O Mundo de Sofia, do norueguês Jostein Gaarder). Foi essa edição especial que ganhei de minha amada (espero que esteja tudo bem com ela, pois ela merece!), li e, neste momento, passo a comentar.

A sinopse é conhecida por muita gente. O garoto Bastian Baltasar Bux (aliteração das boas) entra no sebo do rabugento Karl Konrad Koreander (autor que curte aliteração, hein?) e lhe rouba o livro chamado A História Sem Fim. Após, tranca-se no sótão de sua escola e passa a lê-lo. Na trama, o reino de Fantasia é consumido pelo Nada; a imperatriz Criança está doente e convoca o jovem Pele-Verde Atreiú para empreender A Busca, procurando a causa para sua doença e para o avanço inexorável do Nada. Aos poucos, Bastian repara que aquele livro não é comum e que a história de Fantasia estabelece um estranho contato com ele. Em pouco tempo, o destino do reino quedará inteiramente nas mãos do jovem Bastian, garoto destrambelhando, mau aluno, ruim nos esportes, de mãe falecida e pai desinteressado. Enfim: aquele tipo de pivete a quem chamam "perdedor". E, além disso tudo, um ladrãozinho safado.

A obra pode ser dividida em duas partes, no decorrer da leitura. A primeira corresponderia a aproximadamente um terço do volume e seria concluída quando Bastian salva Fantasia da destruição pelo Nada ao dar o nome de Filha da Lua à imperatriz Criança - chamada formalmente pelos súditos de "a Senhora dos Desejos, a dos Olhos Dourados". O restante da história nos dá Bastian aventurando-se pelos domínios de Fantasia, enquanto lhe confere novos aspectos, traçando novas histórias e novos personagens. Entretanto, enquanto empreende tal jornada, o protagonista assume uma condição de extrema arrogância e, pouco a pouco, perde sua memória, esquecendo sua condição humana original; esquecendo-se de que já foi (ou é) um garoto gordo, destrambelhado e de pernas tortas, trancado num sótão de sua escola, com um livro sobre as pernas, e nada mais do que isso. A primeira parte da trama escrita por Michael Ende foi brilhantemente aproveitada no cinema, no hoje "clássico da Sessão da Tarde" homônimo. Embora filmado em 1984, possui bons efeitos visuais e uma produção de arte impecável, para um filme "aparentemente" despretensioso. Destaquei o "aparentemente", pois, na época de seu lançamento, foi o filme mais caro produzido fora dos EUA ou da antiga União Soviética. O restante do romance foi utilizado, em algumas partes, para compor o roteiro da horrenda continuação de 1990. O terceiro filme, por sua vez, é uma bosta e nunca consegui vê-lo até o final. Também houve um desenho animado baseado no romance e seus personagens - outro lixo (acho), embora tenha seus fãs ainda hoje.

É interessante notar como cada capítulo inicia-se com uma ilustração em tom pastel, com predominância do verde e vermelho, onde se retrata um momento do que ocorrerá e estampa-se, grande, a letra inicial com que se iniciará aquela narrativa (letra capitular). E as letras são sequenciais da primeira à última do alfabeto. Partimos da letra "A" e chegamos à "Z". Isso, além de interessante, é, na contramão, uma grande bobagem. Para manter essa brincadeira boba, o autor certamente subverteu sua escrita ao capricho, escrevendo mais do que deveria apenas para encher linguiça e complicar a tradução. É o que acho.

Uma jogada - sem dúvida, criativa - de Michael Ende é dar uma aparente extensão de infinitude de histórias dentro da história. Regularmente, o autor parece nos dizer o que acontecerá com um ou outro personagem, num futuro próximo. Entretanto, jamais conclui a narrativa, nos avisando, ao final do parágrafo: "Mas essa é outra história e terá de ser contada noutra ocasião".

Conquanto seja um livro infantil, possui elementos densos de obras adultas, para os padrões modernos. Destaco, sobretudo, seu aspecto enciclopédico. Em 400 páginas, um sem número de personagens nos são apresentados a cada um dos vinte e seis capítulos, dentro de universos ricos em outras centenas de denominações. Nem Thomas Pynchon criaria tanto personagem por página! Isso torna a leitura, por vezes, cansativa; logo, enfadonha. Sou adepto de formato mais enxuto (porém, não burro) para obras destinadas ao público infantojuvenil. Sei que há crianças preparadas intelectualmente; mas, por exemplo, não me imagino com um livro desses em mãos, quando pequeno. Acho que desistiria após a centésima página. No geral: boa leitura.




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