terça-feira, 19 de março de 2024

Para Wong Foo, Obrigada por Tudo! Julie Newmar

Imagem retirada do Pexels.

Lutar? Para quê? 
De que vive a rosa? Em que pensa? 
Faz o quê?

Guilherme de Almeida em Filosofia

Soube apenas hoje que regravaram - remake - Matador de Aluguel: sairá neste dia 21, no Prime Vídeo. Quando eu era guri, gostava do filme original. Qual moleque não queria estar na pele de Patrick Swayze, ganhando a vida batendo em vagabundo e metendo a piroca na médica loirinha e magrela? A primeira vez que assisti ao filme foi na Globo, à noite (Tela Quente, SuperCine? Não lembro), e passei dias pensando como alguém poderia matar usando apenas os dedos! Patrick Swayze era o cara. Dançava sem parecer fresco, sempre estava do lado do Bem em seus papeis, comeu Demi Moore melada de barro e, aos 57 anos de idade, morreu pesando menos de 40 kg, devorado vivo pelo câncer, após uma vida de três carteiras de cigarro ao dia e galões de biritas. Além de tudo, dizem as más línguas, que, enquanto morria lentamente, tomava porradas de sua esposa e era mantido em cárcere privado.

O que tirar da vida e da morte de Patrick Swayze? Nada. Ele foi um mega astro hollywoodiano e não posso nem imaginar o baita vidão que teve. Está além de meu alcance de zé ninguém assalariado imaginar as vidas desses sujeitos. Só acho que sua vida terá valido a pena se ele tiver aproveitado cada um de seus dias. Se mesmo com o rabo cheio de cachaça tiver encontrado, todos os dias, pequenos momentos de alegria, ainda que durante alguns minutos, sem pensar em mais nada além disso: viver o aqui e agora.

Lembrei que bons autores escreveram seus primeiros romances após o início da "velhice", a exemplo de Umberto Eco, Jô Soares e Luiz Alfredo Garcia-Roza. Todos alegavam não se sentir com maturidade suficiente para escrever romances. Jô Soares nem queria escrever O Xangô de Baker Street, tendo sugerido a ideia a seu amigo Rubem Fonseca, o qual, após ouvi-la, lhe disse: "Vai lá e escreve então, porra". E assim foi feito. E deu certo. É que amantes da Literatura a respeitam e ficam cismados com a possibilidade de estar escrevendo bosta.

Citei, acima, escritores. Mas serve para tudo. Acho que em todas áreas do conhecimento há estes exemplos: homens (e algumas poucas mulheres, a exemplo de Marie Curie) que, na maturidade, realizaram grandes feitos. À nossa volta também conhecemos pessoas que deram grandes guinadas em suas vidas. Tenho uma amiga que sobrevivia com salário mequetrefe numa prefeitura e, com 45 anos de idade, tornou-se advogada e está embolsando uma grana boa: comprou carrão, casarão e vive cheia de clientela que mal dá conta. Fico feliz por ela, pois é ótima pessoa.

Mas (e aí vem os "no entanto", "entretanto" e "todavia"), não tenho grandes feitos a realizar neste mundo, a não ser consumir seus recursos, defecar, dar boas pimbadas e dormir. Aliás, fica a sugestão: consumam recursos, comam e bebam bem. Não vale a pena economizar pensando em porvir, Mãe Natureza, essas bobagens todas. "Ah, vou reduzir a pegada de carbono, virar vegano e só rodar por aí de bike". Meu caro, a pegada de carbono que os magnatas do mundo querem reduzir é você e sua família. Com robôs e inteligência artificial, os Josés, Marias e Cleitinhos deste mundo se tornarão ainda mais mal vindos do que já o são. Os afortunados querem este belo planeta apenas para eles: suas praias, campos e montanhas. E não os condeno, pois quem gosta de povaréu? Se eu fosse Magnata, habitaria o mais distante possível da ralé. Na próxima pandemia de um vírus qualquer nos matarão com vacinas grafenadas. Próximo apocalipse: pandemia de tromboses e problemas cardíacos misteriosos. Ou soltarão logo ebola e varíola no ar. Enquanto isso, quero meu angus suculento no prato (e gasto muito para isso, aliás), queimar gasolina para não morrer atropelado por aí numa bicicleta e peidar bastante para ajudar no aquecimento global. O mundo é bom assim: quentinho.

Tenho 42 anos de idade e, creio, estou velho. Não tive muitos sonhos e projetos em vida. Dos poucos que nutri, não realizei nenhum sonho. E realizei poucos projetos. E está bom mesmo assim. Já estava há algum tempo num processo de "entrega", de "deixa a vida me levar". Me livrei de alguns poucos rastros de projetos que mantinha porque pararam de fazer sentido. Pouca coisa faz sentido, agora, a não ser tentar viver o dia a dia. Ando, talvez, com apenas um desejo: quiçá retornar à cidade onde cresci, mas nem nisso quero pensar muito. Enfim: para pessoas inúteis ao mundo, assim como eu, meditar sobre o futuro tão obscuro apenas atrapalha. Quanto à inutilidade, só posso ser útil a mim mesmo e, logo, à minha família. E a mais nada. O mundo é muito vasto para tirar meu sono e, ainda assim, creio que ele continuará aqui, firme e forte, mesmo após a sexta extinção. Esta, aliás, está demorando a vir até demais. Vladimir Putin faria um grande favor se apertasse o botão vermelho. Esta sociedade onde "palavras machucam" está precisando urgentemente de uma Guerra.

E claro que não: não estou feliz, dando pulos de alegria, plenamente satisfeito com minha vida e os rumos que ela tomou. Acho que essa tal felicidade não existe, então sou grato pelos poucos momentos, aqueles poucos minutos onde me sinto feliz. Geralmente - não sei o porquê - aproveito tais breves momentos durante a calmaria do pôr-do-sol, naquela hora de nuvens róseas. E, claro, ao lado de minha filha, em regra no final da noite, quando ela já está entregue ao cansaço do dia e só quer jogar conversa fora antes de dormir, compartilhando comigo as "grandes dúvidas" e "infindáveis dramas" que assolam crianças de sua idade. Mas, no geral, o cotidiano é só isso: vazio, busca do que fazer para ocupar o tempo de forma "proveitosa", pagamento de contas sem fim etc. É a rotina de um bonobo mediano, mais nada.

Não tenho mais sonhos nem projetos. Não sou um grande realizador a deixar legados literários ou científicos à humanidade. Mas posso ser um Patrick Swayze sem dinheiro e morrer cedo, comido por doenças escrotas e na absoluta merda. Então preciso aproveitar apenas - como dizia minha avó materna - "um dia após o outro com uma noite no meio". Sim, ela sempre falava isso.

Ah, sobre o remake de Matador de Aluguel, acho que não verei. O original envelheceu mal, aliás. Então imaginem um remake daquilo ao sabor dos tempos imundos onde nos encontramos. Mas... fica a sugestão para quem quiser tentar.

Abraços desiludidos e até a próxima.

sexta-feira, 8 de março de 2024

Mateus, Marcos, Lucas e João, a Bíblia Medieval Brega de Gustavo Piqueira

Deixando para outro momento eventual discussão sobre Inquisição e vedação de livros entre o povo cristão, destaco ao menos uma verdade notória: a Igreja foi necessária à preservação do conhecimento, em suas bibliotecas. Sem o trabalho de monges eruditos, muito teria se perdido. E a tarefa não era fácil: tratar o pergaminho, encaderná-lo, reunir copistas e miniaturista numa mesma abadia. A sabedoria clássica era acondicionada em obras de arte, infelizmente acessível a poucos. Remetendo a esses códices centenários, Gustavo Piqueira publicou seu Mateus, Marcos, Lucas e João, onde estes quatro consultores da indústria cosmética narram a trajetória daquele que veio para salvar as mulheres da celulite: o creme milagroso IN!, desenvolvido misteriosamente por Maria para comercialização junto ao seu sócio José. Como intermediário no lançamento deste produto revolucionário está o esteticista JB, que, durante o processo, cairá em desgraça pública (perderá a cabeça, metaforicamente) diante dos caprichos de certa Salomé, filha mimada de uma socialite amancebada com o ex-cunhado.

Conhece a história acima? Todos conhecemos um pouco. Na obra, encontraremos curas milagrosas. Paraplégicas que terão a tonalidade de suas coxas de volta. Defuntas que poderão ser apresentadas no funeral com a pele rejuvenescida, como se ressuscitadas. Certamente, a indústria concorrente não gostará de IN! e, com a ajuda de um consultor traíra (um tremendo judas filho da puta subornado com trinta mil reais e enforcado em contas, faturas e boletos), fará com que IN! seja crucificado pela mídia, após um processo fraudulento na Anvisa, onde o Superintendente da agência apenas despachará sumariamente o requerimento de vedação à comercialização, apenas para sair rapidinho do expediente, não sem antes lavar as mãos com álcool gel no banheiro do gabinete.

Após ler o “evangelho” de cada consultor, descobrimos que os quatro protagonistas estão, na verdade, em reunião discutindo possíveis releases encomendados à agência onde trabalham. São publicitários. O material deveria ser elaborado sob forma de storytelling, daí cada um com sua versão da chegada de IN! ao mercado, seus milagres, conspiração da concorrência, crucificação pela opinião pública e, depois, ressurreição em novíssima embalagem. E o pior: sabem que o produto é um embuste; mas, claro, precisam encontrar a melhor forma de agradar ao cliente.

A obra é uma afronta à fé cristã? Acho que não. É uma advertência, talvez: estamos comercializando IN! há dois mil anos, sem pudores. É interessante lembrarmos que “IN”, no acróstico INRI, significa Iēsus Nazarēnus (em latim). E que celeumas religiosas, às vezes, estão revestidas de pura vaidade. De resto, fica a critério de cada leitor o alcance da história bolada por Gustavo Piqueira, designer que vem conferindo ao livro brasileiro nova estampa, como já falei em postagem anterior. O viés tátil do livro, enquanto objeto, é explorado com inteligência. No entanto, a obra é, sim, uma crítica ao mercado publicitário psicopata, cheio de si mesmo, e por vezes inconsequente. Quem pensa que o autor está atacando o cristianismo, ledo engano. Ele critica o nicho onde transita: a venda de produtos, de ideias e de imagens. E, de quebra, ainda ataca a falsa religiosidade, a que só almeja ao lucro fácil. Foi essa, pelo menos, minha impressão na primeira leitura.

A prosa de Gustavo Piqueira é contemporânea. Como assim? Defino: sem um estilo reconhecível. Poderia ser algo escrito por qualquer pessoa. Infelizmente, é esse o traço fundamental de nossa literatura atual. Noto, contudo, que ele – em determinados momentos – recorre a tiradas bruscas bem humoradas à maneira, talvez, de Luís Fernando Veríssimo. Não sei se faz isso conscientemente. Mesmo assim, não consegue evitar excessos. O livro é bom. O mote é inteligente e a concepção estética impecável. Mas poderia ser mais enxuto, penso. Não dou "nota" a publicações porque acho um sistema impreciso justamente por buscar precisão. Quantas estrelas dar a um livro? Não sei. Só que: é um bom livro? Sim. Vale a pena comprá-lo? Também sim.

Acerca dos aspectos editoriais, quanto ao acabamento, vejamos. O livro vem numa caixa repleta de iluminuras carregadas em cores primárias, com muito vermelho, recordando códices medievais com influência islâmica. A capa possui duas chapas de metal (alumínio) e bijuterias vagabundas incrustadas (compradas na famosa rua 25 de Março e coladas dentro da Casa Rex, espaço de design de propriedade do autor). Acompanha, ainda, outro livro onde nos é contado um pouco acerca dos “bastidores da obra”, por assim dizer. O metal dourado com pedras remete ao kitsch do mundo da beleza em geral, com seus adornos poluidores no melhor estilo Gianni Versace. Resumidamente: o acabamento é de uma breguice de causar vergonha alheia à musa do tecnobrega Gaby Amarantos. Ponto ao autor por isso.

No miolo, o destaque (além da iluminura rococó) fica com as capitulares, desenvolvidas pela casa de design mencionada. Antes de cada parte do livro, também há uma brincadeira com o alfabeto utilizando arranjos das iluminuras em página inteira, representando a letra inicial do nome de cada apóst... ops!, consultor de IN!.

A edição foi limitada a mil exemplares numerados. Saiu pela EDUSP com 176 páginas, formato 23,0 x 27,0 cm, miolo em papel de boa gramatura (acho que similar ao pólen bold), com excelente impressão. Já o livro-anexo possui 88 páginas, em brochura, no formato 14,0 x 21,0 cm. O box, em papelão rígido, possui sistema de tranca com imã embutido. Quando lançado, custou R$ 60,00 (quase caridade). A limitação de exemplares, contudo, fez as poucas unidades ainda à venda alcançarem valores mais elevados, a critério do vendedor scalper

  • Postagem originalmente disponível na versão anterior do Blog do Neófito, em 09.06.2015.
  • Em razão da recente resenha, no meu canal, do romance Lorde Creptum, consegui recuperar esta postagem até então perdida para mim, a qual estava salva no acervo do Gustavo Piqueira, em seu site pessoal.