domingo, 20 de outubro de 2019

Coringa, Movimento Antimanicomial e Anarcocapitalismo


"Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo." 
(Ludwig Wittgenstein)

"Pensava que minha vida fosse uma tragédia, mas agora me dou conta de que é uma comédia."
(Arthur Fleck)

Faz dias que vi Coringa e fiquei de alma lavada. Após tantas produções meio-boca e marromenos realizadas sobre personagens de quadrinhos - onde, em momentos de vida ou morte, o super-super bem apessoado encontra tempo para piadinhas infames -, surgiu Coringa, com toda uma estética impecável de época, sombrio e destituído de quaisquer romantismos sobre bandidos e mocinhos. Embora, na trama, os pais de Bruce ainda estejam vivos, a imagem do herói fica a cargo do médico e magnata Thomas Wayne, que não nos desperta empatia, é arrogante e, aparentemente, mau caráter. 

Muitas coisas ficam no ar acerca da paternidade de Arthur Fleck (o doente mental problemático, psicótico, que viria a se tornar temido vilão de Gotham). E este vilão, por sua vez, conquanto violento, impulsivo e quase desumano, igualmente não nos desperta nenhuma empatia. Não há beleza no Coringa. Ele não é sagaz. Chega, aliás, a ser burro, quando não consegue sequer compreender o funcionamento do mundo à sua volta, como quando está numa apresentação de comédia stand up e não entende nada do que se passa ali. Suas anotações no que deveria ser um diário não possuem nexo, nenhuma lógica. O cara é apenas um asno porra-louca que, abandonado pela sociedade (cada um cuide de seu próprio traseiro), explode e começa a dar pipoco para todos os lados.

Similar ao Batman de Tim Burton (1989), jogam para o palhaço a origem do Cruzado Encapuzado. Comentei um pouco sobre isso na postagem Já dançou com o demônio sob a luz do luar?, onde o vilão, bem mais velho que Bruce, não só tem origem inventada por Sam Hamm (roteirista) como lhe é atribuído o famoso duplo homicídio no Beco do Crime. Na obra de 2019, tentam, de outro modo, fazer o mesmo. Nesta última trama, Arthur Fleck dá início à onda de revoltas na ruas, a qual culmina nos homicídios. E o resto... Bem, o resto é uma história que dura quase oito décadas.

Os guerreiros da justiça social, detentores do monopólio da virtude, fizeram lobby contra o filme. Então, outro motivo para querer vê-lo. E fiz questão de ir ao cinema. Valeu cada centavo. É natural que a turma do "mimimi" não goste de produção com temática subjacente "incel" ou "mgtow" (termos modernos que, francamente, não me agradam). E mais: Coringa possui natureza essencialmente anarcocapitalista, voltando-se contra o sistema representado por Thomas Wayne: endinheirado com poder político, ícone do corporativismo estatal; essencialmente, um metacapitalista (termo e definição cunhados por Olavo de Carvalho).

Devido a esse ativismo acéfalo, esqueceram do ótimo mote, trazido pelo filme, para discussão mais oportuna: a doença mental, em todos os seus aspectos mais tenebrosos: dor, solidão e violência. Fleck é vítima do Movimento Antimanicomial, luta da esquerda global que, essencialmente, busca apenas o caos e a desordem familiar, a miséria das cracolândias brasileiras e sofrimento humano.

Valeria a pena ter se investido tempo nessas discussões, e não se perguntando por que Coringa não come ninguém.

Fico por aqui. Abraços insanos e até a próxima.