sábado, 24 de agosto de 2019

Sombras da Noite de Stephen King


Não sou tão fã do King contista. Quatro Estações é fantástico; demais antologias com as quais mantive contato, não. Prefiro King romancista, extenso, prolixo, em mil páginas de tramas enroscadas em sub tramas e mini spoilers. Mesmo assim, recomendo que deem chance a Sombras da Noite diante do bom humor que permeia praticamente todos os contos insólitos. Não comprei a edição recente da Suma de Letras nem a antiga da finada Francisco Alves. Li mesmo em ePub, no Kobo que passou a fazer parte de minha vida de leitor desde que o ganhei. Algumas narrativas me chamaram mais atenção por sua ligação com outras histórias do mesmo autor (isso tornou-se cada vez mais corriqueiro em sua bibliografia). Outros contos foram estendidos e adaptados para o cinema. Os mais curiosos, comento a seguir.

Em Jerusalem's Lot, temos a prévia do que viria se tornar o romance homônimo. O conto é epistolar, elaborado com base em cartas e diário de bolso. Na pequena Chapelwaite do século XIX, Charles Boone e o factótum Calvin McCaan residirão na mansão dos Boone. Sons estranhos não dão sossego. A mansão parece tomada por forças malignas, similares à mesma conhecida na Casa Marsten do romance posteriormente editado. Logo, Charles Boone tem contato com o pequeno vilarejo chamado Jerusalem's Lot, então local abandonado e temido por todos os moradores das redondezas. A Saideira é outro conto que funcionaria como sequência dos eventos narrados no romance 'Salem Lot, onde dois homens vão ao resgate de uma família perdida na nevasca.

Já Ondas Noturnas nos dá a prévia do que se tornaria o calhamaço Dança da Morte. O vírus Capitão Viajante já destruiu boa parte da população global. O grupo de amigos protagonista está vivendo à beira mar, sem saber mais o que fazer, convivendo com o medo e sem muitos resquícios de civilidade. Algo meio O Senhor das Moscas de William Golding. Diferentemente do romance, na história curta temos um vírus de comportamento diverso, que ainda pode continuar se manifestado após certo tempo incubado.

Sou O Portal me lembrou, de longe, o filme The Astronaut's Wife (1999), pela ideia da vida alienígena pegando carona em astronautas para ocupar (colonizar) nosso planeta. O final do conto é grotesco, bem ao melhor estilo de King escatológico.

Em Massa Cinzenta, o pinguço local transforma-se numa entidade bizarra após ingerir cerveja batizada com, talvez, estranho fungo. O personagem que sofre mutação me recordou bastante o pai de Beverly Marsh no romance IT. Além disso, há uma história dentro da história. Artifício típico de King! A menção à gigantesca aranha habitando os esgotos da cidade não deixa de ser, de certa forma, inspiração para a forma assumida por Pennywise quando em sua "casa" abaixo da fictícia Derry. Ao menos, me pareceu isso.

Campo de Batalha é uma história muito legal, onde enigmático assassino de aluguel recebe uma caixa com soldadinhos e veículos de guerra de presente de sua contratante. As miniaturas têm consciência e empreendem enorme guerra dentro do apartamento. A trama já foi levada à TV no primeiro episódio da série Nightmares & Dreamscapes, tendo como protagonista William Hurt. Na adaptação, não há diálogos. Dos oito episódios do programa, esse foi o único que valeu a pena.

Caminhões: só mesmo Steve para escrever a história onde veículos de grande porte tornam-se autônomos, sitiam humanos no posto de gasolina (e, acreditamos, em todo o mundo) e, mesmo assim, consegue nos convencer que tudo aquilo poderia ser real. É a ressonância emocional que apenas grandes contadores de história conseguem atingir.

Quem lê o rei do Maine sabe que nem tudo em sua prosa são monstros, terror insólito e sangue. Ele é bom em todos os aspectos. E, em Sombras..., dá espaço para narrar pequenos dramas familiares. Recomendo bastante os tocantes O Último Degrau da Escada e A Mulher no Quarto. Naquele conto, um advogado próspero se lamenta por ter falhado em proteger sua única irmã. Neste último, temos o dilema da eutanásia, quando o filho pensa acerca da postergação da vida da mãe doente. King sempre tocou na ferida da doença em várias de suas obras; a morte lenta e sofrida que, várias vezes, retira quaisquer resquícios de dignidade do ser humano. Vale lembrar que a mãe do escritor morreu de câncer, após décadas de dedicação ao lar, cuidando sozinha dos filhos. Pois é. Alguns têm sorte de ter tido boas mães...

O Homem do Cortador de Grama é emblemático. A primeira referência que vi a esse conto foi que seria a base para o filme O Passageiro do Futuro (The Lawnmower Man, 1992). Depois, descobri que o próprio Steve acionou extra judicialmente a produção para que retirasse seu nome dos créditos. Simplesmente porque filme e conto não possuem absolutamente nada em comum. Nada mesmo. Gosto do filme. Achei o conto interessante por invocar antigas divindades para nosso cotidiano. E me assombrei com a canalhice roliudiana em todo o imbróglio jurídico.

Ex-Fumantes Ltda me divertiu bastante. Uma empresa inova no método de convencer pessoas a largar o tabaco. Primeiro, dão choques elétricos em sua esposa. Depois, cortam as extremidades de seu corpo ou batem em seu filhos. Se você contratou esses caras, não pode rescindir o acordo. No final das contas, é uma narrativa com bastante bom humor, assim como a maioria dos contos.

Meu primeiro contato com o mote de As Crianças do Milharal foi pelo cinema: Colheita Maldita. Adorava esse filme. Hoje, acho-o meio bobo. Mas ainda guardo o DVD, que fiz questão de comprar há anos num cestão das Americanas. É isso, enfim: leiam o livro para entreter nas horas vagas.

Abraços sombrios e até a próxima.

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