sexta-feira, 12 de julho de 2019

Era uma vez no Coração da América



Em O Grande Búfalo Branco (The White Buffalo, 1977), Cavalo Louco diz a Bill Hickok que as terras onde eles estão não são para brancos. Bill responde ao falastrão que nenhum "Grande Espírito" a deu à Nação Sioux. Esta apenas a roubou dos antecessores: Cheyennes, Shoshones e Arapahos. Em resumo: em termos de ocupação, todo mundo é filho da mãe e que ganhe o mais forte. O caubói continua dizendo ao índio bonachão não existir verdade absoluta acerca de supremacia moral de nenhum povo. Contudo, o sioux não cede ao seu capricho de superioridade moral e espiritual. Os dois personagens do colóquio deveras existiram na sangrenta história americana. Charles Bronson deu alma a Bill Hickok, na telona. E a história da ocupação das terras de Black Hills é verdadeira e rendeu uma longa ação judicial do remanescente indígena contra o Governo Federal. Não havia nenhuma dúvida de que aquelas terras passaram pelas mãos de diversas etnias, onde a mais forte sempre expulsava a mais fraca. Mesmo assim, o Governo progressista e para acalmar os ânimos ofereceu aos "índios" proposta de indenização quase bilionária, sendo recusada. Afinal, as terras - dotadas de água, madeira, minérios e investimentos em infraestrutura - quase não têm preço calculável. No final, a Nação Sioux perdeu o processo e a bufunfa.

Encontro muitos colegas progressistas abarcando a causa indígena, seja lá o que for isso. Alegam que o Brasil pertence aos índios. Nós, malvados, lhes tomamos a terra. Atualmente, eles possuem 12,5% do território nacional para explorar, arrendar e depredar como quiserem. Igual a nós, "brancos", fazemos com o meio ambiente (!). Mas encontram no discurso vitimista seus defensores, querendo cobrar supostas dívidas histórias - outra para a conta do operário brasileiro que acorda cedo todos os dias para trabalhar e pagar pesados tributos. Aos meus colegas politicamente corretos, sempre digo: isso é fácil, venda suas posses, doe a uma ONG indígena para os caciques comprarem carrões e uísque 18 anos e, depois, afoguem-se em alto mar, oras. Até hoje, nenhum tomou tal coragem para quitar seu quinhão de dívida histórica e devolver a terra dos índios. E um adendo: meu colega mais esquerdista (no discurso) é o maior investidor em imóveis com quem já trabalhei. Pão duro até a alma.

Não existe civilização sem dor, sangue e bastante sofrimento. É isso que esta geração floco de neve desconhece. É como os ambientalistas de apartamento que parecem desconhecer não haver vida moderna sem aço, concreto e energia. Infelizmente, cinema e TV se perdem em conceitos politicamente corretos e regam com pétalas de rosas os devaneios dessa turma desmiolada. Às vezes dá vontade de abandonar o cinema contemporâneo e sobreviver de reprises de produções da época, quando os estúdios ainda não estavam abarrotados de ativistas veganos que fingem desconhecer que até a ração dos "pets" é feita com carcaça animal e que alimentos orgânicos são caros e para poucos. Não dá para alimentar 7,7 bilhões de pessoas com orgânicos.

Sergio Leone, embora italiano, conhecia o coração americano e todos os seus filmes deixam claro que aquela civilização nasceu e floresceu banhada em sangue. Não importavam origem, credo ou raça. Nunca houve santo e só, talvez, alguns poucos bons homens que queriam seguir em paz seus caminhos, mas sempre com aquela pequena sede de ganância ou de vingança. E sem vergonha ou julgamentos. As pessoas apenas sobreviviam. Esta é a natureza da América, essencialmente. A maioria das pessoas destaca que sua obra prima seria Três Homens em Conflito (The Good, the Bad and the Ugly, 1966). Certamente, é um dos maiores filmes realizados de todos os tempos, com nota 8,8 no IMDb, o que não é pouco. Mas sempre terei um carinho a mais pelos filmes Era Uma Vez no Oeste (Once Upon a Time in the West, 1968) e Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1984). Para mim, ao lado de The Godfather (Partes I e II) e de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), estão dentre as realizações máximas da sétima arte.

Filmes como os acima mencionados retratam o mundo como ele é, não como deveria ser. Não se perdem em devaneios "por um mundo melhor" onde teorias de gabinetes tentam reorganizar a fórceps a tecitura social. Hoje, deveriam ser matéria obrigatória a todos os jovens assisti-los ao menos dez vezes.

Não canso de me surpreender com os arroubos eternamente infantis de minha geração, que parece teimar em não crescer, em não aceitar o mundo como ele é, que a vida é naturalmente difícil, inexistindo fórmulas mágicas para resolver os "problemas mundiais". Aquele velho discurso meio boca sobre tudo. Meus pares foram formados sob a mordaça do politicamente correto, sob a ditadura da espiral do silêncio. Colegas de minha idade (perto dos 40), hoje, são homens frouxos, dormindo com luzes acesas por medo do bicho papão, criados para serem delicados e não assumirem postura masculina. A masculinidade tornou-se "tóxica". E olha que falo de minha geração. Os garotos que conheço em torno dos quinze anos de idade me dão arrepios. Como destaquei aqui numa postagem anterior, "Somos apenas crianças crescidas, querida, que ficam aborrecidas ao perceber a hora de dormir", para citar Lewis Carroll. Filmes como os realizados por Sergio Leone mostram outro tempo tão próximo e ao mesmo tempo tão distante, onde homens eram criados para ser homens, e não feministos cheios de parcimônia, medos, subserviência e frustrações com o próprio sexo.

Em Era Uma Vez no Oeste, a expansão para o pacífico leva a um rastro de sangue no mesmo ritmo que a ferrovia segue seu caminho. Disputas por terras, roubos, prostituição e vinganças. Ninguém é poupado, adulto ou criança, homem ou mulher, seja mexicano ou tenha olhos azuis, todos enfrentam a mesma sina árida em terras tão desoladas. Anos após, em tempos mais "civilizados", a mesma história se faz presente em Era Uma Vez na América, numa trama de busca por poder e riquezas, traição, violência desenfreada e o velho conto do garoto pobre que obtém grande ascensão social e econômica para, ao final de tudo, numa crise ética, dar a si mesmo aquele que considero um dos finais mais sombrios e trágicos do cinema.


Foi ontem, mas parecem séculos, quando cinema mostrava que você pode ser homem e assumir responsabilidades de homem sem receio de críticas. E não me refiro à opção sexual. É como diziam há certo tempo: "Seja gay mas seja macho". Macho no sentido de erguer a cabeça e enfrentar as durezas da vida sem tanto chororô ou, como fazem agora, textão fanfic em rede social.

Outro bom filme da época esquecida do cinema, em Desejo de Matar (Death Wish1974)  o arquiteto Paul Kersey (Charles Bronson) leva uma boa vida de classe média alta na violenta Nova Iorque. E parece não se alarmar com a onda de crimes assolando a pocilga onde vive. Progressista, pacifista e desarmamentista, é apontado por um colega de trabalho como "liberal de coração mole", ao que ele responde apenas se preocupar com os menos privilegiados e crer, realmente, que a violência é apenas corolário lógico de problemas sociais. Enfim, um romântico que não coloca na conta do banho de sangue algo tão simples e natural como a mera crueldade humana. Um dia, sua casa é invadida por vadios que assassinam sua esposa e violentam sua filha, a qual ingressa num estado de paranoia crônica e acaba sobrevivendo dopada em instituições psiquiátricas. Numa viagem de negócios a Tucson, se depara com a cultura armamentista e retorna à sua cidade portando um revólver calibre 32, pequeno e fácil de usar. Então começa a sair maquinado à noite, passando o rodo em tudo quanto é maloqueiro. É, sem dúvidas, um grande filme como não mais se faz (teve remake com Bruce Willis ano passado), mostrando o estado de torpor a que foram submetidos os americanos almofadinhas após décadas de cultura progressista inculcada a fórceps em seus miolos laceados. De um bundão crente no Governo e nas pessoas naturalmente boas, Paul Kersey retorna ao estado natural típico do americano conhecedor que seu país foi fundados em sangue e assim continuará até o fim dos tempos. Paul Kersey desperta o instinto mais básico humano: sobreviver.

Charles Bronson, ator que aprendi a amar e admirar, foi em si um grande exemplo do que é ser homem, erguer a cabeça e encarar o cotidiano sem vitimismos. Filho de imigrante lituano, cresceu nos Estados Unidos sem falar uma palavra sequer em inglês e seu destino quase certo seria o trabalho em minas de carvão. Tornou-se lenda do cinema ainda relativamente jovem e, resignado, envelheceu mal e afastado dos holofotes, falecendo demente após os oitenta anos. A filmagem mais antiga onde o vi foi no magnífico episódio Two  da série The Twilight Zone. Recentemente, tive o prazer de revê-lo, pela segunda vez, no filme Assassino a Preço Fixo (The Mechanic, 1972, de onde veio a fotografia do cachimbeiro acima).

Aliás, é bom relembrar The Mechanic, pois recentemente ganhou remake com Jason Statham no papel principal e isso reflete bem nossos tempos. Enquanto o filme da dobradinha Bronson-Winner nos deu uma trama refinada com personagem central intrigante e de aspectos morais complexos, o novo filme se propõe ao mainstream atual comum: produção para desmiolado, onde Statham faz suas caras e bocas de bad boy para explodir as coisas à sua volta e ainda posa de bom moço que apenas executa pessoinhas malvadas, merecedoras de morte violenta. A versão de Michael Winner ainda se destacava por, na década de "70, abordar de maneira bastante discreta a relação de conotação homossexual entre os dois personagens principais, sem amarras morais, politicamente correto ou peso na consciência quando o assunto é traição e mundo do crime.

No coração das Américas, havia fé, coragem e resiliência. Agora não passamos de um imenso playground onde marmanjos choram o dedão encravado e os simples e pequenos dilemas do cotidiano. Outra obra com Bronson a insistir neste aspecto seria Lutador de Rua (Hard Times, 1975), onde o pugilista Chaney sobrevive durante a grande depressão americana batendo, apanhando e lidando com todo o tipo de gente escrota nas docas de Nova Orleans, sem abaixar a cabeça e encontrando, em meio a escória, momentos de amor e para atos nobres.

Basicamente, é isto. Não pretendo me estender mais neste assunto. O objetivo com esta postagem foi apenas divagar um pouco e indicar os ótimos filmes nela mencionados.

Abraços e até a próxima.



6 comentários:

  1. seja pela alimentação, poluição ou estresse: a taxa de testosterona da população tem decrescido.
    filmes com essa dureza nem chegam perto da bilheteria dos vingadores, com heróis que raramente sujam as mãos com sangue durante uma guerra e, quando sujam, o sangue não é vermelho, mas de alguma tonalidade alienígena.
    nas favelas cariocas ou no leste europeu, a vida continua como o velho oeste: vence o mais forte

    abs!

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    1. Bem lembrado o leste europeu...
      Abç!

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    2. Bronson se deu mal na década seguinte:
      http://filmesparadoidos.blogspot.com/2019/04/murphys-law-o-vingador-1986.html

      abs!

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    3. Muito bom esse blogue Filmes para Doidos. Já topei com ele por aí.
      Penso que Bronson fez MUITO filmes. E no meio disso, muita tralha. Desejo de matar, por exemplo... Todas as continuações são de ruins e péssimas.
      Abraços!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Como pai, também me vejo no mesmo dilema. O que poderei fazer é tentar conversar com ela sobre minha visão de mundo e minhas motivações. Torcer para que ela me ouça e reflita. O que mais podemos fazer? Nada. Ela possui acesso a informação na escola, nas ruas e num telefone celular. Após sua formação humana, na maturidade, tentarei ficar de consciência tranquila e seu caráter e sua personalidade ditarão o restante. Abraços e muito grato pelo excelente comentário.

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