sábado, 6 de abril de 2019

Joaquin Phoenix e Alexandro


Pensava que minha vida fosse uma tragédia, 
mas agora me dou conta de que é uma comédia.

Acho curioso como filmes baseados no universos de meus amados personagens multicoloridos em papel jornal fazem sucesso atualmente, lotando sessões no cinema. Hoje, aliás, são impressos em formatos luxuosos, em álbuns com papel especial de elevada gramatura e capa dura. Às vezes, rola até sobrecapa. Mas meu primeiro contato com esses universos foram em formatinhos com miolo tipo papel jornal e impressão de má qualidade. Eu precisava ficar sem comer na escola para juntar dinheiro e comprar um gibi. Recordo disso com o coração inflado pela nostalgia, mas sem saudosismo. Eram tempos duros, onde tudo era inacessível. Convenhamos, por mais que você tenha apego à sua infância, este tempo é fantástico: produtos culturais à sua disposição a um clique, em suas mãos, num telefone celular. Como é gratificante poder comprar belas edições sentado no conforto de sua casa ou assistir a tanta coisa até mesmo gratuitamente, em boa resolução. Às vezes, sento à toa em frente da TV e fico vendo toneladas de filmes (A, B, C, D, E...) no Youtube, Nexflix ou Amazon. Isso quando não baixo algo em minutos via torrent ou em algum site.

Outra curiosidade: mesmo grato por essas facilidades, quase não vejo filmes do gênero que, nos quadrinhos, tanto amei. Não sei explicar o porquê. Para mim, são dispensáveis. Nunca assisti aos filmes do Capitão América, Mulher Maravilha, Vingadores e Aquaman, por exemplo. Ainda não vi vários dos X-Men e nem sei como anda a franquia. Contudo, fico feliz com a ascensão do gênero, pois isso estimula o mercado a investir cada vez mais, inclusive em HQs. E, claro, dentre tanta produção, pode sair coisa de qualidade superior. Assim, por exemplo, parece ser o que vi no trailer de Coringa, programado para o mês de outubro. Falaram muito sobre aquele vídeo com menos de três minutos por aí. Falaram até demais. Vi existirem vídeos com mais de uma hora de duração comentando a vinheta. Achei isso uma tremenda babaquice. Gostei bastante da postagem do Ozymandias Realista, especialmente pela associação com Chaplin e por não ter se estendido tanto. No trailer, gostei sobretudo da citação destacada em epígrafe a esta postagem. É que diz muito para mim. E, no dia em que vi o trailer, meu colega Alexandro se matou com um tiro na cabeça no quintal. E, à noite, fui ao seu velório de caixão aberto. Ele estava separado, tomando medicação controlada e, infelizmente, encheu a cara durante a madrugada. Já era fraco para bebida, como sempre me confessou. E no meio de uma crise de depressão e cheio de remédio tarja preta no rabo, não aguentou.

Tenho carinho pelo Coringa. Tanto que mantenho uma estatueta dele em meu modesto escritório há anos. O personagem é bem construído e felizmente esteve em mãos de muita gente competente, as quais lhe proporcionaram boas histórias. Em carne e osso, sempre ficarei com a teatralidade de Jack Nicholson, vez que o Batman de Tim Burton se destacou em minha infância e pude, no cinema, assistir aos seus dois filmes. Meu irmão, aliás, tinha aquela graphic novel com a adaptação oficial do filme. Na TV, criança, vi quase todos os dias o Coringa de Cesar Romero. Igualmente, este foi relevante para mim numa época em que nem gibi de heróis lia. Só que o grande Jack Nicholson dificilmente perderá o topo do pódio em minha memória afetiva. Achei o Jared Leto bicheiro uma porcaria e quanto a Heath Ledger não precisamos falar mais nada, pois sua atuação falou por si. E a visão de mundo de Coringa e "dos Coringas", creio, pode nos ajudar a encarar este mundo cão, insano. E penso que o Coringa de Phoenix poderia ter ajudado meu finado colega Alexandro em seus momentos de dor e talvez próximo à agonia final. Lembremo-nos: "Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo" (Ludwig Wittgenstein).



Embora goste do personagem, não sou imaturo ao ponto de enxergá-lo como alguém "negligenciado pela sociedade", "fruto do meio". Fruto ele é: mas podre. A vida é dura e o mundo é cruel. O estado natural do ser humano é a miséria, acaso não arregace as mangas e se vire nos trinta. Na aurora do homem, pais matavam os próprios filhos por um naco de carne ou por fêmeas para acasalar. Se você está de mal com o mundo, adapte-se a ele, o engula a seco, fuja para o mato e vá encarar a dura vida selvagem ou faça como o Coringa - que não me parece um vitimista: encare que a vida é uma comédia, delicie-se com o humor negro cotidiano e aceite pagar o preço por seus atos, sem esperar afagos e compreensão. Fico realmente cismado com pessoas desta geração floco de neve que teimam em ver coitadismo num personagem tão bem construído, caótico e insano ao máximo quanto o é Coringa.

Enfim. Há pouco tempo comentei da leva de amigos que se mataram. São duas postagens sobre isso: Boa noite e que Deus os abençoeSandman: desilusão, morte e responsabilidade. Muita gente boa buscou a saída mais rápida. A diferença para o ocorrido esta semana é que nunca fui aos velórios. Não gosto. E dessa vez, fui. Assim que acordei recebi a notícia do suicídio e, via Whatsapp, imagens do colega caído, cabeça estourada, de bruços na lama do quintal, entre a vegetação bonita existente por lá. Fiquei sem acreditar e a ficha só caiu mais tarde. Mas quando o vi no caixão, cabeça costurada na lateral, lábios fechados com a cola que dava para perceber e os olhos inchados, fiquei muito triste. Certamente "ficar triste" é o mínimo. Mas, para mim, quando uso esta expressão, é porque fiquei arrasado por dentro, tentando me colocar em seu lugar e tentando remoer em minha cabeça como diabos se chegou aquele ponto. Como se chega aquilo? Onde estamos quando não há mais nada onde se agarrar?

Ainda não tenho quarenta anos de idade, mas conheci o inferno. Fui lá a passeio diversas vezes, a contragosto. E sempre me apoiei em coisas etéreas e físicas para me manter lúcido (até o possível), mas firme e forte sobre as pernas. E justamente por ter sofrido tanto em tantos momentos é que luto pela vida. Se fosse para morrer fácil, que o tivesse sido na infância. Ou logo no pós-parto. Agora que atravessei tantas turbulências, quero mais é viver para, aí sim, sentir o sabor adocicado daqueles maus momentos e gargalhar de tudo enquanto encho a cara ou dou umas boas baforadas em meu charuto. Não curto muito livros de auto ajuda. Na verdade, acho tal linha uma bosta. Mas tenho minha auto ajuda nas coisas que gosto: pessoas amadas e queridas (sobretudo minha filha), meus bichos, obras de arte, natureza, boa comida e boa bebida e, claro, bastante poesia. Falei noutras vezes me apegar bastante a um soneto de Carlos Pena Filho, cujo início é: "O quanto perco em luz conquisto em sombra. / E é de recusa ao sol que me sustento.". Nossa cultura nos fortalece. Até mesmo obras da cultura pop nos ajudam, como a frase lá no alto, dita pelo Coringa de Joaquin Phoenix. Alexandro não precisava ter lido poetas como Bandeira ou Pena Filho para se manter em pé. Se tivesse visto este trailer como eu o vi no dia de sua morte, poderia mentalizá-lo e continuar suportando as porradas da vida. E, após a ressaca de tantos sopapos, sorrir de tudo.

Infelizmente, a vida de meu colega foi apenas uma tragédia, sem direito a deus ex machina que, de última hora, o socorresse. Descanse em paz, meu velho. Afinal, como disse sua mãe: "Agora ele pode descansar".

É isso.

6 comentários:

  1. lamento pela perda
    depressão pode levar q um a se matar
    perdi um irmão que teve um ataque cardíaco aos 40 anos, mas isso só aconteceu porque tempos antes ele ficou deprimido om a vida de merda que tinha e passou a beber demais e a não cuidar da saude
    nem sempre a familia consegue ajudar
    auto ajuda - gosto, mas é apenas um punhado de conselhos com ou sem base científica. a maior parte são aplicações práticas de psicologia. não tenho como dizer o q funciona, mas não custa tentar. é como tomar vitamina c ou comer alho.

    abs

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    1. "mas não custa tentar."
      Exato. Para quem tem paciência... rs
      Sinto por seu irmão.
      Foi escolha dele, enfim...
      Abraços!

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    2. O suicídio de seu irmão foi lento.

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  2. Que texto, Neófito... muito intimista, corajoso e verdadeiro! Que você possa encontrar a paz que seu amigo não conseguiu.

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    1. "Que você possa encontrar a paz que seu amigo não conseguiu"
      - A esta altura da vida, após tanto apanhar como qualquer pessoa comum, confesso que poucas coisas me abalam e que estou de boa na vida. Em paz, por assim dizer. O lance agora é manter.
      Tb te desejo o melhor.
      Abraços!

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  3. "Então conheci a magia do caos"
    - Cuidado com isso. Tentar manipular o caos a seu favor pode ser um grande tiro pela culatra.

    "Estou aqui comentando em um blogue de um ex-amigo que me odeia"
    - Nunca te odiei, Fabiano. Mas parte de sua inconstância é difícil de tragar. Ao menos para mim, o qual tb devo ter as minhas. Como cidadão normal, pai, com contas a pagar a trabalho para colocar em dia, não tenho realmente disposição para me travar com mais dificuldades. A vida é curta.

    "Talvez eu bata uma punheta mais tarde pensando nesta postagem"
    - O importante é gozar a vida.

    Abraços também. Cuide-se.

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