domingo, 10 de março de 2019

Magnólia


Se você não quiser deixá-lo ir, mandarei sobre todo
 o seu território uma praga de rãs.
Êxodo 8:2

O que podemos perdoar?
Jim Kurring

Não sei se Magnólia é a obra prima de Paul Thomas Anderson. Gosto de tudo o que ele realizou mas, para mim, o auge foi mesmo em Sangue Negro. Também tenho um carinho especial por Embriagado de Amor. Contudo, não há como negar que Magnólia passou batido à época de seu lançamento, injustamente. O vi há quase vinte anos, em VHS (eram duas fitas para caber três horas de película). Na época eu passava por uns momentos de dúvida e fé (nada perto de Pilatos, mas quase lá). Estava melancólico, pensando em largar a faculdade - ainda no início - e buscar o que realmente queria fazer da vida. E assistir-lhe me pôs mais para baixo ainda. Ou seja: veio em boa hora, sendo uma porrada na cara para me fazer acordar.

A razão pela qual o filme se chama Magnólia é simples e mostrada desde o início, no mapa: a banal avenida por onde, perto do final, várias vidas passam e tanto passaram. E a ligação entre todas essas vidas é a morte representada pelo canceroso Earl Partridge. Veja bem: tudo chega até ele, inevitavelmente. Dele vamos a Linda e Frank. Chegamos a Jimmy Gator, sua filha e esposa; e, de seu programa, presente na grade da emissora de Earl, tombamos com o ex garoto gênio Donnie Smith e o atual quiz kid Stanley. A partir da filha de Gator, Claudia, tropeçamos no policial Jim Kurring. E, numa avenida banal à noite, fica a metáfora: essencialmente, entre alegrias e tristezas, nessa banalidade grandiosa que é vida, todos participamos individualmente de algo maior, conectados com um mundo do qual fazemos parte mas que nos ignora. E, ao final, uma chuva de sapos nos dá o insólito, a chamada para que tudo pode acontecer e, assim, despertarmos da letargia ou adentrarmos nela, acaso despertos.

Costumou-se dizer ser Claudia a primeira personagem escrita por Anderson, a partir de onde todas nasceram. Pode até ser verdade e assim caminhou o pré roteiro. Contudo, finda obra, restou realmente o leito de morte do magnata Earl a ligar tantas vidas sofridas. E, da dor, a redenção. Acho que poucos filmes trataram tão bem acerca de redenção quanto Magnólia. E com direito a atuações excelentes, de todos, especialmente de Tom Cruise e Julianne Moore (trechos abaixo). Destacamos de certeza o elemento unificador de tudo e todos: as canções de Aimee Mann, escritas antes mesmo do roteiro e inspiradoras para o nascimento do longa metragem (clipe Save Me abaixo).

Costumo dizer que possuo uma relação íntima com Magnólia, pois me fez realmente muito mal quando o vi a primeira vez e, logo após, como um remédio amargo (venho tomado vários ao longo da vida), me curou. Além disso, gosto tanto de P. T. Anderson que um de meus gatos, falecido com onze anos de idade, chamava-se Paul porque estava passando Sangue Negro na TV quando o peguei ainda filhote. Durante quase um ano inteiro da faculdade, o wallpaper de meu computador K6 2 500 com tela de tubo foi a imagem acima desta postagem. Quando digo que esse filme passou batido é porque, mais à frente, o sucesso estrondoso de Crash (quase plágio da obra de Anderson), estourou. Certamente, Crash aborda tudo o que roliúde gosta: brancos maus, polícia fascista, capitalismo que mata na fila do hospital etc. Já em Magnólia, para variar um pouco, uma das poucas almas decentes é justamente o oficial Kurring.

Agora revi Magnólia na Netflix e fiquei satisfeito por encontrar algo assim numa plataforma tão popular e, quem sabe, dar ao público, em especial aos mais jovens, a oportunidade de apreciar essa maravilhosa obra da sétima arte.



4 comentários:

  1. Boa recomendação, vou colocar na minha lista da Netflix!

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    1. Não demore a ver. Às vezes alguns títulos somem rapidamente.

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  2. Coloquei na lista, tema pesado, mas enriquecedor

    Abs

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    1. " tema pesado, mas enriquecedor"
      Assim é a vida, Charlie Brown...
      rs
      abraços!

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