sábado, 8 de setembro de 2018

Os livros em "Os Companheiros do Crepúsculo"


Apenas este ano [republicação de postagem de 2013] li Os Companheiros do Crepúsculo, uma das grande obras primas da nona arte e o mais destacado trabalho de François Burgeon. Não é muito interessante resenhar completamente um trabalho desse porte, diante de sua extensão e complexidade. A história trata, basicamente, da jornada de três "perdidos" - Mariotte, Anicet e um cavaleiro desfigurado - numa Idade Média assolada por doenças, violência, miséria e conflitos pelo poder feudal. A obra é dividida em três partes. As duas primeiras abordam o onírico e sua relação com a realidade, com ênfase na mítica medieval. Estas duas partes, curtas, preparam o terreno para a longa história O Último Canto das Malaterre, onde todos encontram seus destinos (alguns belos, outros terríveis) e, num clima de farsa, ao final, as narradoras da história, em trupe, nos pedem silêncio, pois o espetáculo acabara - pois tudo, enfim, acaba. Mesmo nesta última longa parte, a recorrência de símbolos e sugestões também está presente e constitui a alma da narrativa.

Parte da trama gira em torno de um estranho e sua encomenda, aos monges da cidade de Montroy: a reprodução de um livro sobre Merlin. Em passeio no mosteiro, o jovem religioso pelo qual Mariotte se apaixona lhe explica sobre as obras que ali são guardadas, produzidas e reproduzidas, grande parte de acesso restrito (ficam em nichos com celas, onde podem ser apenas folheadas à distância). O únicos volumes de amplo acesso são os livros litúrgicos e de horas. Os diálogos acerca dos livros, enquanto objetos de elevado valor econômico, são bem interessantes, de maneira que pareceu oportuno reproduzir aqui:
Monge: No entanto, naquele mesmo dia, um mensageiro trouxe uma missiva para nosso arquiabade e desapareceu sem esperar resposta. Dentro de exatamente um ano, um rebanho de trinta bois seria oferecido à abadia sob a condição de que já tivesse sido finalizado e entregue um velhíssimo manuscrito que dormia em nossos armários. É nessa antiquíssima "Ystória du Merlin" que frei Jean e eu trabalhamos há mais de dez meses... Recebemos a ordem de manter virgem as três últimas páginas, a fim, dizia a carta, de deixar à lenda o lugar que o povir quiser lhe atribuir.
Mariotte: Mesmo assim!... Trinta bois apenas por um livro é uma paga e tanto.
Monge: Pequena ignorante! Conheço um manuscrito que foi trocado por seiscentos e quinze acres de boa terra trigueira.


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