"Todo dia é dia do caçador."
Ramiro Curió
"Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes."
Vidas Secas, Graciliano Ramos
"Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes."
Vidas Secas, Graciliano Ramos
Concluí hoje a supersérie Onde Nascem Os Fortes, pelo serviço de streaming da Globo: aliás, serviço este que nos oferece uma péssima navegação entre episódios e retorno de onde paramos com falhas, além da idiotice de escolha por data de exibição. A produção é muito boa, roteiro competente, fotografia espetacular e boas atuações. Além de se passar integralmente em meu amado e odiado sertão, onde a vida luta cotidianamente para se fazer vencer. Não sei bem explicar minha relação com o semi-árido: mas é mais ou menos isso - admiro sua beleza dura, sua sequidão, suas paisagens desoladoras e ao mesmo tempo acolhedoras. As noites de sertão me fazem bem.
Não tem como ver Onde Nascem Os Fortes e não recordar Graciliano Ramos (citado acima) ou Guimarães Rosa: "O senhor tolere, isto é o sertão. (...) O sertão está em toda a parte. (...) O sertão é dentro da gente. (...) O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.".
Não tem como ver Onde Nascem Os Fortes e não recordar Graciliano Ramos (citado acima) ou Guimarães Rosa: "O senhor tolere, isto é o sertão. (...) O sertão está em toda a parte. (...) O sertão é dentro da gente. (...) O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.".
Na trama, dois irmãos gêmeos (Maria e Nonato) vão a Sertão (cidade pernambucana fictícia) a passeio. Lá, Nonato desaparece e, após alguns episódios, tem seu cadáver encontrado. Até então, Maria já se convencera que ele foi executado a mando do poderoso empresário Pedro Gouveia e tenta fazer justiça com as próprias mãos, levando a óbito um policial. Como nos diz a entropia (enquanto estado de complexidade de um sistema): nada voltará a ser o que era. Cássia, mãe dos gêmeos, chega a Sertão (onde seu passado foi enterrado, numa história de sangue e redenção) para ajudar a filha e tentar encontra Nonato, antes da confirmação de sua morte. Ali, precisa se aliar ao juiz Ramiro, homem totalmente insano e inimigo de Pedro Gouveia. Nas subtramas, Maria apaixona-se por Hermano, filho de Pedro, mas também dá umas com Simplício, maluquinho revolucionário local. Além disso, a esposa de Pedro, Rosinete, também entra na onda e começar a dar geral para a peãozada, enquanto seu marido se apaixona por Cássia. Ramirinho, filho do magistrado, é uma drag queen conhecida por Shakira do Sertão e precisa sair do armário, mesmo que sob risco de morte. E por aí coisas triviais como dor, angústia, balaços, amor e sangue, muito sangue, vão ocorrendo. Há muitos personagens secundários interessantes, como o Delegado marginal Plínio e o messiânico Samir, por exemplo. Mas não me estenderei sobre eles.
A série é boa. Poderia, contudo, ser mais curta. Acho que daria para encolher o enredo. Mas belíssimas cenas que sempre saltam em cada episódio fazem valer a pena o tempo gasto em frente à TV. A maioria das gravações se deu em Cabaceiras, na Paraíba, região que conheço muito bem e por onde andei bastante entre meus 19 e 20 anos de idade. A trilha sonora também é de primeira e, em diversos momentos, Shakira do Sertão entoa Mal Necessário, canção que há anos amo na voz de Ney Matogrosso. Outras canções antológicas como Vapor Barato, O Amor e O Poder, Jura Secreta, Canção Agalopada e Dia Branco também sempre estiveram presentes em minha vida desde que passei a, realmente, gostar de música. A abertura ao som de Todo Homem, da milionária família Veloso (sim, do Caetano), que há anos se dá bem com grana pública, ficou perfeita junto aquelas imagens áridas.
A produção também nos deu uma das cenas mais bonitas da teledramaturgia nacional: Ramirinho catando Mal Necessário em frente ao Fórum onde seu pai se encontrava, uma maneira certamente desnecessária e extravagante de dizer ao pápis que ele queima a rosca. Contudo, sob o pôr do sol sertanejo, a performance ficou extraordinária. Você pode conferi-lá neste link.
Enfim: não vou me estender muito. Gostaria apenas de recomendar o seriado enquanto ainda está disponível na Globo Play. É uma série dura, sobre a vida dura, onde o que diferencia homens é a força em suportar a aridez. Uma série onde a vida humana nada vale e pode acabar repentinamente numa vala comum; onde a justiça tarda e falha; onde, no meio de tudo isso, duas pessoas, mesmo assim, podem dar tempo ao tempo e se amar.
" drag queen conhecida por Shakira do Sertão" os nomes populares são os melhores
ResponderExcluirabs!
Cara, tb adoro essas coisas... kkk
ExcluirAbç