sábado, 29 de setembro de 2018

Lordem Creptum de Gustavo Piqueira


Nem só de Hermann Hesse e Thomas Mann viverá o leitor, mas também de palavras simples e descompromissadas lançadas em obras infanto-juvenis. É por isso que li Lorde Creptum de Gustavo Piqueira e rejuvenesci duas décadas. Parecia que estava, novamente, no sofá de casa, aos treze anos, lendo alguma obra da série Vaga-lume, como A Ilha Perdida, Um Cadáver Ouve Rádio ou Cabra das Rocas. Nos momentos de gratidão, recordo de minha infância e pré-adolescência e sou muito grato. Tive uma boa juventude, vendo bons filmes na TV, entrando pela noite na rua, conversando com amigos, e lendo histórias em quadrinhos, contos e romances curtos. Fiquei grato, então, por ter Lorde Creptum em mãos por duas noites. Esse ficará na estante para recordação. Não penso em passá-lo para frente.

O mote é interessante e, como sempre, o designer-literato Gustavo Piqueira inovou, ao começar uma narrativa juvenil por um acervo de imagens e, então, contar uma história sombria acerca delas. Em regra, imagens vêm após o texto. Neste caso, foi o inverso. Na trama, dois garotos(as) se debruçam sobre fotografias antigas e constroem uma narrativa policial acerca de uma família estranha, assassinatos de mocinhas e entidades marítimas do Brasil recém descoberto. De certa forma, o que esses garotos fazem é o mesmo que o autor fez, ao ter em mãos o acervo fotográfico da família de Nair Leonardi Ferrari e pensar em seu enigmático pervertido de lenço roxo no pescoço.

O mais curioso, para uma novela juvenil, é o desfecho. Ao invés de lançar mão de clichês mirabolantes para esclarecer os misteriosos assassinatos, o autor retomou à trama do início, a partir da narrativa dos garotos, e nos lançou ao mundo real, onde nem tudo tem solução, certos mistérios são eternos, um pai solteiro amarga o abandono da esposa e um certo ex-investigador baixinho passaria o restante de sua vida remoendo boas lembranças do que, na verdade, nunca vivenciara. Melancólico? Sim. Porém, c'est la vie; e é chegada a hora de apresentá-la a jovens leitores.

Além de fotografias da época, o livro ainda conta com reclames impressos e trecho do História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil (editado em 1576), do historiador e cronista português Pero de Magalhães Gândavo, de onde o autor retirou o mito do monstro marinho Ipupiara e conseguiu metê-lo no meio de uma trama detetivesca sobre assassinato na belle époque nacional.

Graficamente, é um livro amigável e muito bonito, como é de se esperar de tudo o que Gustavo Piqueira edita. Não há arroubos como Lululux (narrativa feita por meio de jogo de jantar) ou Mateus, Marcos, Lucas e João (a "bíblia medieval" brega onde publicitários nos tentam vender o milagroso creme INRI para combate às celulites); tampouco chega perto do capricho de Seu Azul, onde a areia grudada à capa esfarela-se a cada contato com nossas mãos. Contudo, o uso da cor roxa em alguns diálogos e na impressão de reclames, junto à sobrecapa mini-pôster - técnica da encadernação francesa -, dão um certo requinte à publicação.

Enfim... Lorde Creptum de Gustavo Piqueira: 136 páginas no formato 13,5 x 21 cm ao preço de capa de R$ 45,00. Se tem filhos, compre para eles. Se não os têm, compre para você. Valerá a pena retornar aquele universo ficcional dos livros infanto-juvenis que tanto nos deram horas de diversão e conhecimento do mundo literário quando éramos guris.

Ao final deste post, compartilho vídeo onde mostro um pouco do trabalho inovador das publicações encabeçadas pelo designer.

Abraços nostálgicos e até a próxima.





2 comentários:

  1. li muito infanto-juvenil da vaga lume e outros tantos de outras fontes.

    conforme vamos envelhecendo a lembrança de uma boa juventude faz uma grande diferença e acalma a mente.


    ótimo post!

    abç!

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    Respostas
    1. Há pouco tempo lançaram um box com dez edições da coleção vaga-lume. Não comprei e esgotou rapidamente. Aí que fico pensando onde está a cabeça das editoras nacionais, que não despertam para isso. Uma republicação da coleção, fiel às primeiras edições, venderia a rodo, creio.
      Abraços, meu velho.

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