sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Malu – Memórias de Uma Trans [ HQ, postagem de 2013 republicada ]


O gibi Malu – Memórias de Uma Trans me chamou atenção, nas imagens que vi em sites e no Facebook, pelo formato. Não me parecia um formatinho, nem tampouco uma edição formato americano ou magazine. A capa de um rosa choque bem gay também ficou bonita e tem tudo a ver com o conteúdo. A primeira atração, pois, foi estética. Vi, também, que o responsável pela HQ era Cordeiro Sá, artista gráfico que se tornou mais conhecido após seu trabalho com a coletânea RPHQ (Ribeirão Preto Quadrinhos). No antigo Blog do Urso, pedi informações ao Fabiano sobre onde comprar a publicação, descobrindo que ela teria distribuição gratuita e que, como ele possuía cópia sobrando, me mandaria. No dia 03 deste mês, chegou pelos Correios meu exemplar, que foi devidamente lido. Achei relevante comentar acerca da edição – tanto porque gostei como, ainda, pelo seu caráter didático.

A ideia para a obra nasceu de conversas entre o autor e a atriz transexual Alessandra Leite, mas tomou forma com a consultoria técnica de outra trans: Ágatha Lima. O projeto teve o apoio da Atômica Filmes e recursos financeiros da Secretaria municipal da Cultura de Ribeirão Preto (Programa de Incentivo Cultural 2012). Grana pública é assim: distribui quem pode, recebe quem é bem relacionado.

Tenho poucos amigos transexuais (de acordo com a própria HQ, termo que engloba travestis, transexuais, andróginos e hermafroditas). Conheço alguns em Recife (nem sei mais por onde andam, pois a maioria se cansa de ralar no setor de beleza e estética e ruma à Europa, onde geralmente ganha-se bem com serviços "eróticos"). Na cidade onde vivo há alguns anos, no Estado do Piauí, o número é bem mais reduzido – talvez pelo fato de ser um pequeno Município. Malu não é a biografia de nenhuma transexual específica. Seria, a princípio, a biografia de uma trans “padrão”, resultado de pesquisas do autor, de conversas colhidas e de consultoria “técnica”, por assim dizer. É fácil, para quem tem amigas transexuais, encontrar ressonâncias entre a história narrada e os relatos que ouvimos pessoalmente.

O acabamento é bacana: capa em cuchê de elevada gramatura e o miolo é papel similar ao offset. São 42 páginas no formato não usual de 21,0 x 27,5 cm. Não se tratam apenas de ilustrações e texto, mas de um trabalho gráfico que utiliza fotografias para os cenários e personagens desenhados. Essa técnica não é nova em histórias em quadrinhos, mas não é de uso tão constante. Há décadas, Saul Steinberg já utilizava o método em alguns cartuns e nas graphics já exploraram a técnica, como no caso da série O Fotógrafo (Lefèvre, Guibert e Lemercier), embora de maneira um pouco mais diferente. Achei a arte competente; pena que a HQ é em P&B. Quanto ao roteiro, achei-o um pouco superficial, à primeira vista; assim como bem pouco ousado. No entanto, considerando tratar-se de uma publicação com finalidade quase pedagógica, informativa, é natural que tenha esse aspecto mais “suave”. Umberto Eco sempre destacou a relevância das histórias em quadrinhos como importante instrumento de comunicação de massa; neste caso, foi o que conseguiram fazer (um pouco para o bem; outro pouco, para o mal). Posso dizer que é uma HQ quase "institucional" (até mesmo pelo fato de haver injeção de recurso público em sua produção), mas que nos agrada bastante pelo viés artísticos, numa leitura descompromissada, para quem é fã de quadrinhos.

Não sei bem o porquê, mas quando estava na metade da leitura me recordei da graphic Persépolis da iraniana Marjane Satrapi. Enquanto esta premiada narrativa gráfica nos conta sobre a vida da autora (e, de rebote, um pouco da história social e política do Irã); Malu também se propõe a narrar a jornada de amadurecimento físico e espiritual de alguém que poderia, muito bem, representar quase todas as transexuais deste País, retirados os exageros e esteriótipos que rotulam tanto os transexuais quanto os héteros mais conservadores. Infelizmente, para a obra, pareceu que todo conservador é um hipócrita que, na encolha, curte mamar piroca. Ah, e acho que, na arte, também ajudou a recordar Persépolis: figuras com traços simples, aspecto lânguido e membros desarticulados que mais parecem fitas soltas ao vento.

Obviamente, a obra peca pelo excesso de militância exacerbada do movimento LGBT, onde qualquer aspecto de cultura e tradição liberal ou conservadora é visto como barreira à garantia dos direitos da comunidade transexual. Uma pena que esse pensamento ainda esteja arraigado dentro de tais grupos sociais, especialmente por força da atuação de alguns bem pagos agentes políticos que utilizam essa parcela da sociedade como massa de manobra barata. Em tempos onde o Deputador Federal Jean Wyllys se fantasia de Che Guevara e admira regimes comunistas ao redor do globo, bem como chegando a propor o ensino islâmico em escolas públicas brasileiras, o que mais esperar dessa "liderança LGBT"?

É uma pena que a distribuição seja restrita e que não haja venda on line, mesmo que a preço módico, de custo (frete, etc.). No entanto, se alguém tiver a sorte de conseguir um exemplar, recomendo a leitura. Vale a pena. Poderiam disponibilizar um formato digital, com boa resolução, para download. E, novamente, grato ao Fabiano!




2 comentários:

  1. e eu pensando que era uma hq de putaria...
    a parte de militância me fez desistir de localizar
    de qq forma, foi um boa iniciativa

    abs!

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