quinta-feira, 5 de julho de 2018

Boa noite e que Deus os abençoe

Você já tentou varrer a areia da praia?
Já ficou no escuro ouvindo o canto da cigarra?
Já ficou no espelho rindo sozinho da sua cara?
(Arnaldo Antunes, Já)


Esses dias, meu amigo ScanT (seu nome verdadeiro até conheço, mas ele não gosta de usá-lo) disse: “Ei, usei um texto seu de 2013 aqui no blog, espero que não se incomode”. Ora, é claro que não me incomodaria. Afinal, se publiquei, é… público. A mini crônica é sobre suicídio. A história de um cara que se tranca no banheiro do hotel e estoura os miolos. Aquele cara seria eu. Sempre pensei que, se fosse me matar, o faria distante de casa e de minha família. Optaria ir para a zona rural, bem no meio de algum matagal. Levaria uma garrafa de uísque (do bom) ou uma Heineken (garantindo que estaria bem gelada). Também levaria um cubano double corona. E optaria sempre pelo tiro nos miolos.

Foi curioso ver esse texto recentemente no site de meu antigo parceiro de blogosfera, pois andei pensando bastante em suicídio. É algo sempre bem presente em minha vida. Estes últimos anos, mais do que nunca.

Quando éramos crianças, um garoto se matou em nosso bairro. Aquilo foi estranho. Alguém de nossa idade foi lá, socou a cabeça no forno do fogão e retirou a própria vida! Logo, se tornou o novo fantasma a assombrar o bairro, à noite, em nossas bobas lendas urbanas já saturadas de espíritos desocupados. Você foi corajoso, garoto. Com a cabeça no forno? A forma da morte é sempre intrínseca ao suicida. Aquele moleque tinha personalidade.

Nos últimos três anos, três amigos ceifaram a própria vida. O primeiro foi você, Julião. À beira-mar, cansado, optou pelo clássico três-oitão na boca. Sempre nos topávamos em Teresina e você me convidava para almoçar. Você foi um cara legal e certamente se revirou no túmulo ao saber que o urubuzão que desprezamos deu uma carteirada na polícia para, na cena do crime, ver seu corpo sem vida e a sujeira de sua massa cinzenta sobre a cama. Porra, cara. Você fez lambança demais com aquela última decisão antes de sua própria morte. Sou seu colega e, infelizmente, o julgo por isso. Sinto muito.

Gisele, gatinha das orelhas pontiagudas, o que se passou por sua cabeça para tomar a coragem de se pendurar pelo pescoço e deixar seus dois meninos? Nunca ninguém saberá, não é? E logo você, sempre aberta e falando pelos cotovelos, foi e nos deixou com um mistério inexorável. Eu zombava de suas orelhas porque você tirava uma com minha barriga de cachorro quente e coca-cola. Hoje, ela é barriga de cerveja. Só que você era uma das garotas mais lindas e simpáticas da universidade. Todo mundo a adorava e você se foi em silêncio absoluto.

E a última foi você, valente sertaneja Tâmara, cujo segundo nome era uma corruptela do sanguinário ditador soviético, "lenina" até a alma. Você teve bagos até para retirar a própria vida com um balaço de .40 na cabeça. Quantas mulheres fizeram isso? Poucas, penso. A maioria opta por medicamento, corte nos pulsos ou enforcamento. É a vaidade feminina. Só que você não era tão vaidosa. O que não tinha de vaidade, tinha de fibra. Avante, guerreira.

Pensei muito em vocês desde suas mortes. Às vezes acredito em vida eterna e, nestes momentos, torço para que estejam bem e tenham encontrado a paz que lhes faltava. Se não houver mais nada, ao menos conseguiram descansar. Eu gostava de todos vocês. Tenham uma boa noite e que Deus os abençoe.


4 comentários:

  1. Texto histórico.

    "eu nome verdadeiro até conheço, mas ele não gosta de usá-lo" - o anonimato dá mais prazer de escrever, pois todo nome traz as amarras de uma identidade.

    Pensei em me matar durante a adolescência quando me sentia perdido.

    Atualmente, cogito o suicídio para hipótese de idade avançada (se eu chegar lá) ou doença degenerativa (se eu chegar lá).

    seu texto lembrou-me o "efeito Werther" e a necessidade de buscarmos prazer nas coisas simples.

    Desafios (pessoais, profissionais, intelectuais etc) e hobbies também podem tornar a vida mais interessante.

    Espero que você não siga o exemplo de seus amigos.

    Grande abraço!

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  2. Todos os adolescentes legais eram meio suicidas. Hj virou modinha de debiloide pq não ganhou o iPhone.
    Em caso de doença grave, não pensaria duas vezes. Só preciso da força para puxar o gatilho. Me recuso definhar aos poucos.
    Às vezes parece que eles estão me chamando. Mas só respondo "agora, não"... kkkkk

    Cara, morreu gente demais esses anos.

    Abç, blogueiro anônimo!

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  3. Vim ler tua postagem através do teu comentário no meu blog. Sabe que eu sempre gostei de vir aqui e ler o que tu escreve, porque tu tens um jeito autêntico de escrever. Mas às vezes fico sem saber o que comentar. Esse é um dos textos que me deixou sem palavras.
    Das histórias mais antigas que ouço da família (de outros também), não se falava que a pessoa tinha depressão. Só se sabia que um dia encontrava a pessoa enforcada numa corda no galpão ou em alguma árvore. Ano passado um cara se enforcou porque a mulher deixou dele... Fico pensando quantas pessoas fizeram isso numa época em que não se cogitava buscar auxílio (e nem tinha eu acho, pois minha mãe dizia que o dentista visitava a cidade em alguns poucos momentos e era daqueles que não tratava os dentes, arrancava todos). Hoje as pessoas falam abertamente sobre depressão e suicídio, há recursos dos mais diversos. Mas pela quantidade de pessoas que acaba ceifando a própria vida, pelo jeito muito tem que se avançar nesse quesito. De qualquer forma, não julgo.

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    1. Às vezes acho q nada mudou. Apenas há mais gente no mundo e, logo, mais suicídios. Tentando enxergar a limonada no meio disso tudo: ao menos estamos abordando assunto.

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