sexta-feira, 17 de março de 2017

HQs lidas recentemente [reviews, republicação de postagem do Blog do Neófito de 03/16/13 ]



Não sou de acompanhar mensais, exceto um ou outro número de Turma da Mônica, Disney ou Bolinha [update: atualmente, nenhum desses]. A maioria dos quadrinhos que leio são histórias fechadas, em especial publicadas em encadernados. Também leio pouco histórias com super-heróis. Nada contra o gênero; pelo contrário: na verdade, sou fã de heróis. Mas é que está difícil encontrar boas tramas com meus amados personagens multicoloridos. Gosto mais do gênero graphic novel alheio aos universos já fadigados DC e Marvel. Ressalto que nunca fui tão fã dessa denominação "graphic novel". Prefiro apenas "gibi". E os da imagem acima são os lidos recentemente. A seguir, comentarei um pouco sobre cada um. Ao final da postagem, inseri fotografias dos volumes, para quem quiser dar uma conferida na arte.

De início, chamou-me atenção a relação entre alguns desses títulos, quanto à temática: Fun Home, O Chinês Americano e Cicatrizes possuem um tom autobiográfico. Em O Chinês..., a experiência do autor é apenas inspiradora, mas a vivência pessoal está ali; nas outras duas obras, a intenção foi ser fidedigno aos fatos verdadeiramente ocorridos na vida dos autores. Outro ponto em comum: Cicatrizes, Fun Home e Guadalupe tem, como parte essencial de seu mote, o homossexualismo. Todos os gibis - exceto por Guadalupe - foram realizados pelo que chamo de "quadrinistas puros" - escreveram, ilustraram e coloriram, sozinhos e integralmente, suas obras.

Já fiz este tipo de postagem aqui anteriormente, reunindo num mesmo lugar vários comentários sobre diversas HQs lidas com certa proximidade. Acho uma maneira "econômica" de divulgar algo; embora, talvez, acabe não rendendo muitos acessos, como seria se tudo fosse feito à conta-gotas. Nesta mesma linha de resenha, recomendo a outra matéria sobre Obras mais recentes na coleção de alguns reviews.

Enfim, vamos dar uma conferida em algumas dessas HQs nos próximos parágrafos?


Guadalupe

Guadalupe deixou a desejar. A HQ até começa boa. Mas desanda feio em instantes, trocando o que poderia ser uma trama simples e inteligente por um samba do crioulo-doido. Destaco, em especial o momentos onde Minerva – tio travesti de Guadalupe – ingere cogumelos alucinógenos e transforma-se numa Mulher-Maravilha mexicana para combater o arauto de uma divindade em vias de extinção (!). No meio da “luta”, a banda Village People é invocada para ajudar. Sei que certas tramas delirantes, às vezes, encontram uma boa ressonância emocional no leitor (é assim que o escritor Garth Ennis, por exemplo, se mantem respeitado entre sua legião de admiradores). Mas poucos autores conseguem isso. Nem todo mundo que se aventura no “esquisito e inusitado” - como a autora desta HQ o fez - consegue encontrar um respaldo positivo nos leitores. Não é muita gente que nasce para Grant Morrison. Considerando ser o primeiro trabalho em quadrinhos da escritora – autora de obras poéticas -, deveria ter buscado maior comedimento na trama. Já a arte de Odyr pode causar estranheza a alguns, pelo seu estilo “largado”, meio “rabisco decó”, aparentando desenhar às pressas em traços grossos. Mas já conhecia seu trabalho em Capacabana (uma boa HQ, já comentada na postagem Pelos QuadrinhosNacionais), de maneira que não me espantei com a arte do gibi – acho até que seu estilo poluído calhou bem ao retratar a poluída Cidade do México, onde a trama se passa quase totalmente.

Guadalupe, de Angélica Freitas (roteiro) e Odyr (arte), lançada em novembro de 2012 pela Cia. das Letras, com 120 páginas no formato 20 x 27 cm, em capa cartonada, toda em P&B, impressa em ofsete sobre papel paperfect, ao preço de R$ 32,00. Dá para entreter, mas decepciona para quem espera uma boa história.


O Chinês Americano

Demorei a ler esse livro, lançado em 2009 pela Quadrinhos na Cia. Uma pena para mim, pois retardei a leitura de uma narrativa agradável, recheada de bom humor descompromissado, porém inteligente. São três histórias contadas de forma paralela. A princípio, não vemos comunicação entre elas, até que todas se encontram, formando uma imagem mais nítida daquele mosaico de figuras esquisitas. Essencialmente, é uma obra sobre preconceito e auto aceitação, creio. Quanto ao título, preferiria a tradução literal do original: American Born Chinese.

As três histórias abordam: 1. o mito do Rei Macaco; 2. as dificuldades do filho de imigrantes chineses (Jin Wang) em adaptar-se a uma escola fora do bairro chinês onde vivia; 3. a vida do garoto Danny, que, durante duas semanas por ano, vê-se atormentado por seu primo Chin-Kee, estereótipo americano do chinês, em momentos que remetem ao sitcom gringo, inclusive com direito a palmas e risadas da plateia.

Emblemática é a história do Rei Macaco, que começa a sentir vergonha de sua natureza símia, aplicando toda sua força e sabedoria para parecer, cada vez mais, com um humano.  Ao voltar de uma festa no Céu, onde estavam várias divindades, ele sente-se humilhado pelo comentário do Porteiro, que lhe diz: “O senhor até pode ser um rei – pode ser até uma divindade – mas continua sendo um macaco”. Diante desse comentário, o Rei destrói todo o lugar, onde nenhuma divindade ali presente lhe é párea; mas, “Na volta para a Montanha Flor e Fruto, o Rei Macaco não conseguia parar de tremer. Ao entrar na sua câmara, um cheiro denso de pelo de macaco esperava por ele. Nunca tinha notado isso antes. Passou o resto da noite acordado pensando em como se livrar daquele cheiro”. Cada vez mais parecido com um humano, o Rei Macaco subjuga todos que não lhe reconhecem como um “sábio igual”, até um dia ser confrontado por Tze-Yo-Tzuh (ou melhor: Deus!), que diz ao Rei: “Macaquinho tolo. Eu criei você. E digo que você é um macaco, portanto você é um macaco”. Ressaltei os momentos sobre a identidade do Rei Macaco em razão de, no decorrer da trama, ser algo extensível aos demais protagonistas das tramas narradas paralelamente. Basta dizer que, ao final, o Rei vê-se como um macaco e sente-se em paz com sua natureza; ao encontra o personagem Jin (da trama aparentemente paralela), ele confessa: "Sabe de uma coisa, Jin? Eu teria me poupado de ficar quinhentos anos preso debaixo de uma montanha de pedras, caso tivesse percebido como é bom ser macaco". Essa prisão a que ele se refere lhe foi feita por Tze-Yo-Tzuh. E, para ele escapar, poderia apenas ter revertido à forma original de macaco.

Destacou-se bastante que O Chinês Americano foi o primeiro álbum de quadrinhos a ser indicado ao Nacional Book Award, um dos mais prestigiados prêmios literários do mundo. Além disso, foi o primeiro gibi a ganhar o Michael L. Printz Award de literatura juvenil.

O Chinês Americano, de Gene Luen Yang, tem tradução de Beth Vieira e 240 páginas no formato 16,0 x 23,0 cm, em acabamento brochura com capa cartonada e miolo em papel cuchê de elevada gramatura, totalmente colorido. Um trabalho caprichadíssimo.


O Gosto do Cloro

Le goút du chlore (título original) é uma HQ diferente, pois nos dá uma história silenciosa (até aí, tudo bem) e bastante parada. É até interessante seu apelo estético, com aquela água de piscina ao longo de várias páginas. Mas, conquanto seja uma narrativa gráfica que nos chama atenção pelo caráter inovador, nos dá aquela sensação de tempo perdido (e dinheiro mal gasto) ao final. Na trama, um garoto com problemas na coluna começa a frequentar uma piscina pública, por recomendação de seu fisioterapeuta. Pronto. Essa é a trama. Ele vai nadar sozinho. Às vezes, acompanhado do amigo. Conhece uma garota que não vê mais. E pronto! Até gosto de HQs mais "experimentais", por assim dizer, desde que tenham um pouco mais de enredo ou uma arte que realmente se destaque. Sei que um monte de gente encontrou vários significados nas curtas relações desenvolvidas pela nadador, enquanto na piscina. Eu não vi nada além de muita água. Quase senti o gosto do cloro lendo a HQ. É algo que não recomendo, a não ser que o sujeito esteja sem muita coisa para ler e com dinheiro sobrando. Preciso ter mais cuidado ao trazer este tipo de livro para casa, pois dinheiro não tá fácil.

O Gosto do Cloro, de Bastien Vivès, tem tradução de Maria Clara Carneiro, com 144 páginas coloridas (off-set 90g), reunidas numa brochura com capa cartonada, no formato 18,5 x 27 cm; lançada em março de 2012 pela Leya Brasil/ Barba Negra, custa R$ 49,90. Muito dinheiro para pouca HQ.


3 comentários:

  1. O chinês americano tá na minha lista há um bom tempo.

    Excelente post.

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    1. Ao respostar essas resenhas, lembrei de seus comentários a O Gosto do Cloro...

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    2. Tb pensei nisso. Esperava mais daquele gibi.

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