domingo, 26 de fevereiro de 2017

Serrote, Steinberg e Cesar Civita



Só tenho um exemplar da revista serrote (assim mesmo, todas as letras minúsculas). Não apenas por ser o primeiro número, mas, especialmente, por trazer na capa uma ilustração inédita de Saul Steinberg e, no miolo, um pacote exclusivo de matéria sobre o artista romeno. Já falei muito desse genial ilustrador aqui no blogue. Quanto à serrote, trata-se de uma publicação regular (sai três vezes por ano: março, julho e novembro) do Instituto Moreira Salles. Tenho um apreço por esta instituição. Enquanto todo mundo vive mendigando às portas do Governo para angariar grana e concretizar seus projetos culturais, o IMS contribui há duas décadas para a cultura brasileira, pondo à disposição do interesse público por arte e informação seus recursos notadamente privados.

Na edição, reservaram páginas em cuchê para reproduzir trechos de uma agenda de Steinberg, do ano de 1954, onde o romeno deixo vários "rabiscos" até então não divulgados. Esta agenda, hoje, encontra-se sob a tutela da Universidade de Yale, em sua biblioteca de literatura americana, livros raros e manuscritos. São catorze desenhos, no total, reproduzidos na serrote n.º 01. Aliás, quanto ao título serrote, destaco que foi aparentemente "encontrado" em remissão a uma obra do poeta Murilo Mendes: A Idade do Serrote. E o primeiro verso do poema Serrote, do mesmo autor, é citado em epígrafe na Carta dos Editores da publicação do IMS: "Tremo quando examino o serrote". Às vezes, acho que essa história toda não passa de balela e que o periódico foi batizado, mesmo, ao mero acaso, similar ao que houve com a _piauí, revistão do editor João Moreira Salles, Presidente do IMS. De qualquer forma, para reforça a ideia trazida pela denominação, a primeira página da publicação reproduz a fotografia de Marcel Gautherot, que destaca um serrote de gelo no mercado Ver-O-Peso, em Belém do Pará.

Quando comentei acerca do catálogo caprichado do IMS para a exposição As Aventuras da Linha, mencionei brevemente a relação amistosa entre a família Civita (fundadora do Grupo Abril, em referência ao mês onde se inicia a primavera no hemisfério norte) e o artista gráfico. A leitura de serrote n.º 01me deu uma visão ainda melhor dessa amizade. Como é sabido, Cesar Civita era editor de Topolino(Mickey Mouse, na Itália) na Mondadori e buscava mais clientes para Walt Disney. Seu interesse não ficava apenas nos quadrinhos infantis. Cesar Civita, além de editor de fumetti (os gibis italianos), nutria grande interesse por cartuns, tirinhas e desenhos em geral. Aliás, foi deste italiano a ideia para a criação do clássico Sargento Kirk. Com paixão pela arte, não é de se estranhar seu afinco na divulgação de Steinberg, especialmente seus cartuns. Destaco que, em 1945, quando era publicado o álbum All In Line nos Estados Unidos, a Editorial Abril (Argentina) lançava a única edição latina da obra: Todo En Lineas, com direito a quatro lâminas coloridas encartadas.

Quando li o catálogo de As Aventuras da Linha, descobri que a primeira revista do mundo a estampar um desenho de Steinberg na capa foi a brasileira Sombra. No miolo, encontravam-se diversos desenhos do artista. Essa estreia se deu graças ao lobby dos Civita. Além disso, em momentos de dificuldades financeiras, quando Steinberg procurava ingressar nos Estados Unidos, era Cesar quem lhe enviava dinheiro ou procurava clientes que lhe editassem.

Sempre nutri grande admiração pelo grupo Abril, especialmente pelo investimento na publicação de quadrinhos. Se a ausência da editora, em nosso País, seria suprida por outras forças, não podemos saber; só temos hipóteses. A certeza, contudo, é que graças à Abril pudemos, durante longos anos, acompanhar publicações (mesmo que mutiladas e em formatinho) de super-heróis, Turma da Mônica e universo Disney, além de vários especiais da nona arte que, por vezes, pintavam nas bancas. Conhecendo um pouco mais do esforço dos irmãos Civita em divulgar Saul Steinberg, minha admiração só cresceu. 

Requiescat in pace, Cesare e Victor Civita.



Um comentário:

  1. Caramba, vc deve ter ficado feliz da vida quando descobriu essa edição. Seu acervo steinberg subiu mais ainda de nível!

    Abc

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