segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Reflexos e Sombras [ Saul Steinberg e Aldo Buzzi ]


Saul Steinberg com recorte de si quando criança. Foto de Evelyn Hofer, 1978.

Na década de setenta, Aldo Buzzi esteve duas vezes na casa de campo de Saul Steinberg em Springs, Long Island. Em alguns momentos, gravaram longas conversas em meio magnético. Anos à frente, Aldo Buzzi (amigo Steinberg de longa data, desde que estudaram Arquitetura em Milão no final da década de trinta) transcreveu parte dessas conversas e editou o volume “Riflessi e Ombre”, pela editora Adelphi em 2001. O Instituto Moreira Salles, por ocasião da exposição As Aventuras da Linha, publicou a tradução dessa obra em 2011. Li ontem. E adorei.

Este blogue dedica diversas postagens à divulgação do trabalho do artista gráfico Saul Steinberg, romeno naturalizado norte-americano e mais conhecido em razão de sua longa contribuição à revista The New Yorquer, verdadeira instituição americana. Instituição relevante em nosso País (faço este aparte), por sua vez, é o Instituto Moreira Salles. Seu catálogo para a exposição As Aventuras da Linhafoi o primeiro portfólio editado no Brasil com as obras do desenhista (salvo engano). Além disso, merece todo o nosso apreço por nos dar, com tradução de Samuel Titan Júnior e ampla seleção de imagens (realizada pelo tradutor, Roberta Saraiva e Sheila Schwartz) esse livrinho onde conhecemos um pouco da trajetória pessoal e artística de Steinberg. O IMS vem exercendo um papel relevante na vida cultural nacional. Esses dias, lendo a Fotobiografia de Clarice Lispector (trabalho de Nádia Battella Gotlib publicado pela Edusp), descobri que a biblioteca pessoal da autora encontra-se preservada pelo Instituto. Também foi noticiado, há pouco tempo, que ele também está à frente da organização dos trabalhos encontrados no estúdio de Millôr Fernandes. É o dinheiro empregado em nome da arte e da cultura, preservando e divulgando conhecimento. Parabéns a todos os envolvidos. 

Saul Steinberg sempre mostrou perspicácia acurada na observação dos tipos humanos, especialmente do ianque. Seus desenhos são crítica e elogio ao modo de vida americano. Em Reflexos e Sombras, pude me deleitar com suas observações contundentes acerca da vida na miserável Romênia de sua juventude e na terra de belezas e horrores chamada Estados Unidos da América, onde todos são guiados pelo princípio constitucional da inexorável busca pela felicidade. Em um momento do livro, ele nos fala, por exemplo, dos vagabundos da Bowery de sua época, que viviam à margem da sociedade como opção de ser felizes daquela forma.

A edição é dividida em quatro capítulos. Os núcleos de cada capítulo são: 1) infância em Bucareste, 2) juventude na Itália, até o ápice da perseguição racial fascista, 3) ascensão profissional e visão do estilo de vida gringo e 4) suas observações quanto à vida de artista. Todo o volume é recheado com ilustrações (em íntima relação com o texto) e fotografias. O acabamento é de primeira: brochura com sobrecapa colada na lombada e papel tipo cuchê (garda chiara 150 g/m²). O único erro foi a escolha do material meio poroso para a sobrecapa, que absorve poeira, sujando-se facilmente.

No quarto capítulo, conheci a visão de Steinberg acerca do cartum. Descobri que ele meditou bastante quanto ao que faria (deveria ser feito), em relação ao desenho de humor. Destaco o seguinte trecho: “Eu mesmo sempre achei que, para exprimir certas coisas, devia transformá-las em brincadeiras, em jogos de palavras ou em algum tipo de estranheza: o chamado humor. Vestir a realidade para que ela possa ser “perdoada””. Em outro momento, fala mais acerca do ofício de cartunista: “Minha evolução começou de baixo, dos cartuns. Aprendi trabalhando e consegui escapar de alguns becos sem saída, vulgaridades do desenho humorístico e banalidades da arte comercial -, conservando sempre um pouco desse elemento de mediocridade, quase de vulgaridade, que não quero abandonar, pois o julgo necessário, à maneira de alguém que, mudando de classe social, não quer se separar da mulher e dos velhos amigos”.

Se você quer conhecer mais sobre Saul Steinberg e seu trabalho, recomendo o livro. Dá para encontrar novo e em diversos sebos. Ah, e o formato é meio “inusitado”: 15,5 x 18,5 cm. Bom para se levar a qualquer lugar. Ou deitar-se numa rede e folheá-lo, enquanto se “conversa” com esse gênio do traço, ainda hoje insuperável.






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