segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

É Pau Puro! [ livro de Jaguar ]



É Pau Puro! contem uma seleção de dez anos de Jaguar no Pasquim, como cartunista. Além disso, possui uma crônica acerca da estada do autor na Cuba recém comunista, a fim de participar, como jurado, de um festival de humor. Adoro os textos de Jaguar tanto quanto seus cartuns. Sempre que uma obra é prefaciada por ele, não deixo de ler, antes de tudo, suas palavras. Ele seria um grande escritor de humor - penso - se não tivesse optado por "escrever por desenhos".

Neste livro, reparei bastante a influência de Saul Steinberg em seus trabalhos. Aliás, cheguei a encontrar até mesmo um desenho do artista romeno utilizado numa composição com trabalho do próprio punho do Jaguar. É interessante pensar nisso: Steinberg influenciou toda a produção de desenhos de humor de caras como Millôr, Fortuna, Claudius, Jaguar, Ziraldo e até mesmo Borjalo. E a produção desses gênios nacionais influenciaram tudo o que temos hoje, em termos de quadrinhos de humor. Daí, sempre ressalto a importância da obra de Steinberg para quem gosta de cartuns, charges e quadrinhos.

A apresentação da obra (e do autor) é feita por Millôr Fernandes, num texto esperto e divertidíssimo chamado Retrato 3x4 de um amigo 6x9. Para quem não sabe, este é apenas um de uma série de "retratos" que Millôr fez para amigos como Ziraldo, Ivan Lessa, Nássara, Fernanda Montenegro, Jô Soares, Fortuna, etc.. Abaixo, transcrevo o que esta presente na obra ora comentada.
Jaguar tem dois lados, o lado de lá de tarde bate sol, por isso é que sua fisionomia é toda contra-luz. Movimenta-se em vários sentidos, três deles completamente neutros, nem por isso, porém, impraticáveis. Usa bigode, mas não se vê. É patriota contratado esperando efetivação. Com as suas mãos conseguiu executar uma terceira que usa para os melhores desenhos que faz. É casado mas não acredita no inferno. Às sextas-feiras, às vezes entrando pelo sábado é apocalíptico. Em dias de alegria fica triste mas esconde isso sob tal tumulto que sempre recebe o troféu alegria da festa. Tem uma filha cor de rosa e um filho verde, nascido misteriosamente em Pirassununga, alguns anos atrás, quando um OVNI baixou por lá. 
Agora, quanto ao câncer, é a favor. Seus melhores amigos estão nas linhas transversais, mas não se importa; de vez em quando desenha um com aquela espada. Pratica-se diariamente, por isso é que é tanto. Tem degraus, setenta e oito ao todo, mas está pensando em instalar elevatória. Grande coração, as dimensões do qual têm sido até exageradas pois não transplanta. Da ponta do pé ao topo da cabeça vai toda a sua altura, mas nem isso o diminui. Reto quando a prumo, se curva todo ao menor elogio contrário. Tem olhos azuis, com os quais procura disfarçar seus estranhos óculos redondos. Modelo de pai, tem sido escolhido sempre como mau exemplo. Sua diversão preferida é ficar todo torcido diante dos espelhos que distorcem e fundir a cuca dos espelhos. Qualquer balança porém logo o desequilibra. No Banco do Brasil é considerado um funcionário bárbaro porque por onde ele passa não cresce a grana. 
Se levanta com o sol: o difícil é ir deitar lá em cima da montanha da Gávea às quatro da manhã, depois de um pifa. Não fuma, mas, zangado, deita fumaça. Túnel Rebouças foi apenas durante quinze dias, pois detesta ar encanado. Quanto a Ipanema, diz sempre com orgulho: "I am a Banda". Tem trinta e seis anos, o que fica muito bem na sua idade. Como o vidro, é eternamente jovem, a não ser que o arranhem. Embaça um pouco, em dias de maresia interior, mas basta uma flanela e de novo ele brilha e reflete. Costumo lhe dizer: "Com teu talento, Jaguar, eu não estaria aqui. Estaria em cana, nos Estados Unidos."
Este livro foi editado pelo Círculo do Livro em 1982, com capa dura e miolo em papel grossinho. Quase 180 páginas de humor sem fronteiras, sem amarras morais ou ideológicas. É fácil encontrar em sebos por preços acessíveis. Mas cuidado com o estado da obra, se for comprar on line. O meu foi comprado em sebo, em ótimo estado de conservação (considerando o tempo), com direito à nome do antigo proprietário na folha de guarda: Jaime Ferreira Neto, em janeiro de 1985. Será que ainda é vivo?





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