segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A Chegada, de Shaun Tan [ HQ ]



Hoje li uma obra prima dos quadrinhos atuais: A Chegada, do australiano Shaun Tan. O livro é daqueles que tinha tudo para não dar certo, em razão da extrema - porém, aparente - pretensão do autor em narrar, por meio de um álbum de fotografias - sem balões de texto ou recordatórios; aliás, sem palavra estampada em lugar algum - a jornada de um imigrante buscando melhor vida numa terra estranha e fantástica, precisando, para isso, manter-se distante de sua esposa e filha por bastante tempo.

O tratamento da Edições SM é impecável: formatão (19,5 x 30,5 cm), capa dura e papel cuchê. As cores variam, mas são do preto e branco e cinza aos tons de sépia, emulando velhas fotografias do início do século passado, que tanto vemos nos livros de História. Conferi umas imagens das edições estrangeiras desse álbum e notei que a editora brasileira procurou aproximar o formato ao usual lá fora, em vários países. Assim, publicaram em nossa terrinha uma belíssima obra da nona arte sem descuidar do esmero. Parabéns aos editores brazucas. E o preço é justo: R$ 48,00.

Na história, conhecemos a vida do cidadão que deixa sua família para trás e embarca no navio rumo a uma cidade aparentemente sem fronteiras, onde tudo é magnífico e totalmente estranho ao que ele conhece, desde os símbolos empregados para comunicação e à tecnologia quase fantástica até mesmo ao modo de vida peculiar, incluindo a forte presença de animais de estimação na vida dos habitantes daquela nação. Notamos que cada cidadão possui um bichinho à sua sombra, como um apêndice. Aos poucos, até mesmo nosso imigrante se apega a um. Essa relação entre homem e animal é muito bonita no livro.

As imagens aparentemente fantasiosas presentes nos relatos mudos não causam estranheza. As metáforas são claras. Assim, para representar o medo da cidade natal do protagonista, o autor põe nas ruas grandes caudas que serpenteiam, sempre presentes. O que seriam aquelas imagens? Tanto faz: miséria, violência, doenças etc. Em um determinado momento, o protagonista é bem acolhido na residência de uma família de imigrantes já bem enraizados na nova pátria. Neste momento, nos deparamos com um relato aparentemente absurdo, onde aquela família teria sido expulsa de sua pátria por seres gigantes trajando roupas de amianto e lança-chamas que, além de sua função normal, também sugam as pessoas. Seria esse gigantes soldados de outro País invadindo aquela terra ou oportunistas empreendendo uma limpeza étnica? Não nos interessa tanto. Afinal, a mensagem fica clara, sobre o que pode impulsionar o homem a abandonar seu lar.

A geringonças mágicas representam bem o avanço tecnológico de outras nações. Afinal, tecnologia é vista como magia por pessoas que sempre viveram sem acesso a nada além do básico à sobrevivência.

A solidariedade é sempre tocada na obra. O "herói" da trama é bem recebido por todos, sempre solícitos em lhe ajudar. E, na última cena da obra (ou melhor: na última fotografia do álbum) vemos como essa cultura é repassada. Todos se ajudam, até mesmo os animais, na intenção de criar uma nação a todos próspera. Não há como não associar essa chegada à imigração de europeus à América nas primeiras décadas do século XX. A triagem do imigrantes (inclusive os exames de saúde) nos remete à Ilha Ellis, nos Estados Unidos. E as grandes estátuas na chegada nos recordam a Estátua da Liberdade e diversos outros monumentos de países livres.

Aqui no blogue já comentei diversas obras "mudas". Acredito que o desafio máximo de qualquer quadrinista é elaborar algo assim. É um trabalho para poucos. Recomendo, sempre, esses ápices da narrativa gráfica, a exemplo de O Sistema, Pinóquio e obras de Gustavo Duarte, incluindo a mais recente Monstros!. Enfim, é isso. Li, gostei e queria recomendar a todos que gostam de boas HQs.



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