domingo, 26 de fevereiro de 2017

2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke


Meu Deus, está cheio de estrelas!

E se houvesse alguma coisa além disso, seu nome só poderia ser Deus.
(Capítulo 32)

Meu exemplar de 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur Clarke, chegou há pouco tempo. Quanto ao conteúdo, não preciso dizer muito. Traz o texto integral escrito concomitantemente ao roteiro do filme homônimo, dirigido por Stanley Kubrick, além dos contos mencionados abaixo, como extras à edição. Na aparência, estamos diante de um trabalho não só caprichado, mas também inteligente. A  Aleph deu à publicação a aparência do monólito que, descoberto por humanos em mais de um momento da história de nossa existência, é o mote para toda a trama. Para fazer isso, toda a brochura é negra, inclusive no corte das páginas. Para inserir dados como autor, título, editora etc., optaram por um box. A editora já havia me surpreendido com o capricho de Laranja Mecânica; e repetiu o feito. O projeto gráfico foi de Guillherme Xavier (provavelmente acompanhado de uma equipe). A tradução do romance é de Fábio Fernandes; a dos contos, de Carlos Angelo. No total, temos 338 páginas de excelente ficção científica numa bonita roupagem, por algo em torno de R$ 50,00.

Eu gostaria de falar mais sobre o romance. Talvez faça isso noutra oportunidade. No entanto, muita gente que tenha interesse nesta obra já conhece a produção cinematográfica coescrita por Kubrick e o próprio Arthur C. Clarke. E penso que não há muito a repetir acerca desse trabalho que figura como ápice da ficção científica no cinema e um dos grandes títulos da literatura do gênero. Assim, quero comentar mais, brevemente, acerca dos extras mencionados, escritos ainda desconhecidos por muitos fãs brasileiros dessa obra. Mas, resumidamente, cito as principais distinções entre a história da tela e a do livro. De início, chama atenção o detalhismo da obra escrita, que foi até mesmo criticada por retirar boa parte do mistério presente no cinema. Já no início, temos mais informações acerca da vida primitiva e seu protagonista, o homem-macaco que, ao contato com o estranho monólito em forma de cristal que surge e desaparece abruptamente, começa a ter suas faculdades mentais aumentadas e conhece um significativo progresso evolutivo. O homem-macaco principal nos é indicado como O Observador da Lua ou Aquele-Que-Vigia-A-Lua. Ao final da parte dedicada à Noite Primitiva, o autor ainda traça um sucinto painel evolutivo do homem, até a época moderna para, então, nos dar a trama principal, num ano 2001 mais do que utópico, repleto de expedições espaciais e estações lunares.

Também chama atenção que, diferentemente da obra cinematográfica, a missão capitaneada por Bowman vai até Saturno. Kubrick escolheu Júpiter em razão da facilidade, à época, em reproduzir imagens do gigante gasoso e seus satélites. As formas de ataque da inteligência artificial HAL 9000 a Dave foram modificadas. Enquanto, no filme, David sai da espaçonave para tentar resgatar seu companheiro – o biólogo Frank Poole - e tem dificuldades para reingressar no habitáculo, no romance Frank vagueia pelo espaço sem possibilidade de salvação e Bowman é atacado por HAL com a retirada da atmosfera da nave. Além de diversos elementos discrepantes acerca dos quais não comentarei aqui, também se sobressaem as minúcias técnicas e científicas oferecidas por Arthur Clarke, até mesmo como maneira de dar mais “corpo” à história impressa.

Ainda quanto a informações existentes na obra que ajudam a compreender melhor a adaptação de Kubrick, ressalto que o segundo monólito (o gigante situado em Jápeto, Saturno, no livro; e em um dos satélites de Júpiter, no cinema) trata-se de um “Portal das Estrelas”, oco e infinito, algo similar a um buraco de minhoca, arquitetado por uma antiga inteligência que buscou estudar forma de vida em diversas galáxias, com pura intenção científica e, também, no afã de auxiliar o desenvolvimento cósmico, com saltos evolutivos. A “primeira parada” desse Portal é uma “Estação Central das Galáxias”, onde Bowman pode avistar veículos de materiais, tamanhos e formas diversos, “estacionados”, possivelmente desativada há milhões de anos. Já aquele “apartamento” onde se encontra repentinamente foi elaborado pela inteligência alienígena para lhe dar um ambiente amistoso, onde pudesse sentir-se confortável. A ideia do quarto datava de elementos colhidos da Terra em torno de dois anos. Logo, foi fácil compreender que o monólito presente na Lua da Terra, ao ser desperto após a escavação, colheu informações sobre nossa forma de vida, em especial de programas de rádio e televisão, enviando dados aos seus Criadores.

No cinema, retiraram parte da famosa fala do astronauta quanto à aparência do monólito. Ficou apenas “Meu Deus, está cheio de estrelas”. Acredito que a fase completa de espanto, o último contato estabelecido com o Controle da Missão, na Terra, é mais esclarecedora para compreender o ingresso no “buraco de minhoca”: “A coisa é oca... ela continua para sempre... e... ah, meu Deus... está cheia de estrelas”.

A Criança-Estrela em que Bowman se torna (ou seria “integra-se”?) faz parte de um processo de transformações empregado pela inteligência superior, passando-o para um reino límpido de consciência. Toda sua memória e consciência eram extraídas para compartilhamento, e em troca ele recebia a perspectiva de viver livre de amarradas da matéria. Tudo o que ele tinha sido, foi transferido para um local de armazenamento seguro. “Enquanto um David Bowman deixava de existir, outro se tornava imortal”. Após a transformação, Dave tem a opção de ir, em forma de bebê astral, aonde quiser, e opta instantaneamente por contemplar a Terra e, desta, ser visto. A partir daquele momento (também a última cena do filme), “a história como os homens a conhecia estaria chegando ao fim”. No romance, no último capítulo de apenas uma página, a Criança-Estrela ainda é alvo de ogivas lançadas por várias nações terráqueas, embora sem efeito algum, diante de seu grande poder. A “entidade”, agora senhora do mundo, conclui o romance refletindo acerca do que fazer em seguida, meditando sobre seus poderes ainda não testados e sobre como melhor empregá-los na evolução da vida humana.

Quanto aos Criadores de tudo aquilo, Arthur Clarke ousou uma explicação. Tratar-se de uma antiga forma de vida extremamente evoluída que passou por vários estágios de autoaprimoramento. Após conseguirem se tornar “entidades-máquina”, totalmente livres da vida orgânica, conseguiram, mais à frente, tornar-se criaturas de radiação, livres da tirania da matéria.
* * *
Os contos A Sentinela (The Sentinel, 1951) e Encontro no Alvorecer (Encounter in the Dawn, 1953), foram textos fundamentais na ulterior concepção de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Ambos os textos, curtos, lidam com o encontro de civilizações.

Em A Sentinela, durante expedição terrestre lunar, uma estranha máquina em forma piramidal, protegida por um casulo invisível circular, é descoberta. Para se ingressar totalmente em seu interior, levam-se duas décadas, com acesso forçado mediante energia nuclear. Tal fato histórico nos é repassado por Wilson - o primeiro a estabelecer contato com o objeto - em forma de memórias e conjecturas. De início, acreditamos que a pirâmide – cuja altura é em torno de quatro metros (duas vezes a do homem) – é resquício de uma civilização evoluída que já habitara a Lua terrestre. Mas o próprio Wilson descarta esta hipótese e nos passa outra: ela é estranha ao próprio satélite e foi ali depositada por viajantes estelares. A espessura da poeira meteórica depositada no platô onde a “máquina” foi encontrada determinou sua idade: fora instalada ali antes que a vida terrestre  emergisse dos mares. O líder da expedição acredita, ainda, que tal dispositivo tinha não apenas o propósito de mero indicativo de passagem de uma raça alienígena superior por nosso sistema solar. Eles depositaram, sim, um sinalizador em nossa Lua para que, quando evoluídos, capazes de atravessar o espaço e, dotados de conhecimentos atômicos para adentrar na estrutura da pirâmide, soubessem que a precária forma de vida em desenvolvimento na Terra teria atingido um grau de desenvolvimento que fizesse valer a pena estabelecer, conosco, uma forma de contato. Mas, passado tanto tempo, como seria esse contato? Wilson acredita que esta civilização mais evoluída tenha a intenção de ajudar uma mais jovem. Por outro lado, se pergunta se uma raça tão velha não sentiria uma inveja insana das mais jovens. Ele só tem certeza de uma coisa: aquela máquina é uma sentinela, um farol que, durante milhões de anos, apenas sinalizou que ninguém a descobrira. No entanto, após sua fragmentação por nós, adentrando em seu interior, disparamos o “alarme de incêndio”, e a única coisa que nos resta fazer é esperar.

Em Encontro no Alvorecer, nossos antepassados pré-históricos estabelecem contato com astronautas vindo além Via Láctea, pesquisadores de um “Império” extremamente evoluído que se encontra à beira do colapso por seu descuido em lhe manter a própria sustentabilidade. Como um dos últimos locais de pesquisa, escolhem a Terra e estabelecem contato regular com o membro de uma tribo humana, cujo nome poderia ser, de acordo com os sons emanados, Yaan.

O objetivo da tripulação alienígena, além da mera pesquisa científica, também era oferecer subsídios, aquela raça, para maior desenvolvimento, em especial no campo técnico. Antes disso, no entanto, a espaçonave é requisitada pelo “Império”. Provavelmente, o fim de vários mundos está próximo e Betrond – o Chefe da Missão – explicar inutilmente ao ser inferior que o observa: “Acabou, Yaan. Eu esperava que, com nossos conhecimentos, pudéssemos tirar vocês do barbarismo em dez gerações, mas agora vocês vão ter que abrir sozinhos o seu caminho para fora da selva, e talvez isso leve um milhão de anos. (…) Queria poder alertar vocês contra os erros que cometemos e que agora vão nos custar tudo o que conquistamos. (…) É bom para seu povo, Yaan, que o seu mundo esteja aqui nos confins do Universo. Vocês podem escapar da destruição que nos aguarda. Um dia, quem sabe, suas naves partirão para vascular as estrelas, como nós fizemos, e vocês podem se deparar com as ruínas de nossos mundos e se perguntar quem fomos nós.”.

Betrond, antes de partir, ainda deixa alguns instrumentos que, talvez, possam ser utilizados por Yaan. Séculos à frente, seus descendentes constroem a grande cidade que viriam a chamar Babilônia.





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